segunda-feira, 29 de março de 2010

*Memória e aprendizagem - FILME

*Processos de memória

A codificação refere-se ao modo como uma pessoa transforma a entrada de uma informação física e sensorial em uma espécie de representação que pode ser colocada na memória.
O armazenamento refere-se à maneira como a pessoa mantém a informação codificada na memória.
A recuperação refere-se ao modo como a pessoa obtém acesso à informação armazenada na memória.
Estes processos interagem reciprocamente e são interdependentes.
Por exemplo, ao tentar codificar a informação no texto apresentado, você pode ter achado complicado para codificar, dificultando também o armazenamento e a recuperação da informação. Entretanto um rótulo verbal pode facilitar a codificação e, por conseguinte, o armazenamento e a recuperação. A maioria das pessoas aceita melhor o trecho se lhes for dado seu título “Lavagem de roupas”.

ARMAZENAMENTO DA INFORMAÇÃO/TRANFÊRENCIA DA INFORMAÇÃO

Segundo a Teoria da Interferência, o esquecimento ocorre porque uma nova informação interfere na antiga e finalmente a desloca, na MCP;
Há pelo menos dois tipos de interferência que aparecem na teoria e na pesquisa psicológica: a interferência retroactiva (causada pela actividade que ocorre depois que a pessoa aprende alguma coisa, mas antes de ela ser solicitada a evocar essa coisa) e a interferência proactiva (quando o conteúdo interferente atua antes, não depois da aprendizagem do conteúdo a ser lembrado);
Segundo a Teoria da Deterioração, a informação é esquecida porque desaparece gradualmente, com o passar do tempo, e não porque ela foi deslocada por outra informação.
Consolidação: Um método para realizar a transferência da informação no qual deliberadamente presta-se atenção à informação a fim de compreendê-la. Faz-se isto integrando os novos dados aos esquemas já existentes da informação armazenada. Muito utilizado na transferência para a MLP.
Repetição: Método através do qual é feita uma recitação repetida de um item. A repetição pode ser aberta quando a recitação é em voz alta e óbvia a qualquer pessoa que estiver observando, ou oculta quando a recitação é silenciosa e escondida;
Herman Ebbinghauss (1885), apoiado mais tarde por Harry Bahrick e Elizabeth Phelps (1987) observaram que as pessoas tendem a lembrar-se da informação por mais tempo quando a adquirem pela prática distribuída (aprendizagem na qual várias sessões são espaçadas ao longo do tempo) do que na prática aglomerada (com sessões apinhadas, todas juntas). Quanto maior a distribuição das experiências de aprendizagem ao longo do tempo, mais elas as lembravam durante longos períodos de tempo;

Processos de Construção da Memória

Frederico Bartlett (1932) reconheceu a necessidade de estudar-se a recuperação da memória para textos associados e não apenas para séries não-relacionadas de dígitos;
Ele sugeriu que, nestes casos, as pessoas trazem para uma tarefa de memória seus esquemas já existentes que às vezes levam à interferência ou à distorção e, outras vezes, à intensificação dos processos de memória;
Experimentos também mostraram uma grande susceptibilidade das pessoas para a distorção em relatos de testemunho ocular, evidenciando que elas podem facilmente ser levadas a construir uma memória que é diferente do que realmente aconteceu;
Outros favores que interferem na eficácia da recuperação da memória são: (a) a existência de esquemas mais elaborados em especialistas quanto à sua área de actuação, (b) clareza percebida da experiência e seu contexto, (c) a intensidade emocional de uma experiência.

*Modelos de Memória

O Primeiro Modelo:
Em 1965, Nancy Waugh e Donald Norman propuseram um modelo distinguindo duas estruturas de memórias:
Memória primária: nela são mantidas as informações temporárias comumente em uso.
Memória secundária: nela são mantidas permanentemente as informações ou, no mínimo, por um longo período de tempo.
O Modelo Tradicional:
Em 1968, Richard Atkinson e Richard Shiffin apresentaram um metáfora alternativa que conceituava a memória em termos de três armazenamentos de memória: armazenamento sensorial, armazenamento de curto prazo e armazenamento de longo prazo.
Eles distinguiam as estruturas que denominavam armazenamentos , das informações armazenadas nas estruturas, às quais denominavam memória .
Actualmente os psicólogos cognitivos descrevem usualmente os três armazenamentos como memória sensorial (MS), memória de curto prazo(MCP) e memória de longo prazo (MLP).

O MODELO TRADICIONAL

Memória Sensorial (MS): Capaz de estocar quantidades relativamente limitadas de informação por períodos de tempo muito breves. Repositório inicial das muitas informações que, posteriormente ingressam na memória de curto prazo e na memória de longo prazo.
Memória de Curto Prazo (MCP): Capaz de armazenar informações por períodos de tempo um pouco mais longos, mas também de capacidade relativamente limitada.
Memória de Longo Prazo (MLP): Capaz de estocar informações durante períodos de tempo muito longos, talvez até indefinidamente.

*Tipos de memória

O tempo que uma recordação perdura é muito variável, isto é, não retemos todas as informações que recebemos durante o mesmo tempo. Portanto, esta característica sugere uma classificação da memória quanto à duração. Perante isto temos dois tipos de memória, memória a curto prazo e memória a longo prazo.
Memória a curto prazo: é uma memória que retém a informação durante um período limitado de tempo, podendo ser esquecida ou passar para a memória a longo prazo (que explicaremos mais à frente). Neste tipo de memória, distinguem-se duas componentes: a memória imediata e a memória de trabalho. Passando a explicar cada uma das componentes, a primeira diz respeito ao material recebido que fica retido durante uma fracção de tempo – cerca de 30 segundos. Por outro lado, a memória de trabalho mantém a informação enquanto ela nos é útil, por exemplo, um número de telefone que não tivemos oportunidade de registar por escrito. Sendo assim “A memória de trabalho reporta-se às actividades mentais que não têm por objectivo a memorização de informações, mas que, apesar disso, implicam uma certa memorização para se poderem aplicar de modo eficaz.”
Memória a longo prazo: é um tipo de memória que é alimentada pelos materiais da memória a curto prazo que são codificados em símbolos, esta mantém os materiais durante horas, meses ou toda a vida. Distinguem-se, geralmente, dois tipos de memória a longo prazo que dependem de estruturas cerebrais diferentes: memória declarativa e memória não declarativa. Enquanto que a última, é uma memória automática que mantém as informações subjacentes à questão “Como?”, por exemplo: como andar de bicicleta, como lavar os dentes, como pentear o cabelo, etc.Quando desenvolvemos estes comportamentos, não temos consciência de que são capacidades que dependem da memória. A memória declarativa, por seu lado, implica a consciência do passado, do tempo, reportando-se a acontecimentos, factos, pessoas. Distinguem-se, neste tipo de memória, geralmente, dois subsistemas: a memória episódica que envolve recordações, como os rostos de familiares, amigos e ídolos, músicas preferida, etc. Portanto, esta memória é pessoal que manifesta uma relação íntima entre quem recorda e o que se recorda. A outra é a memória semântica que se refere ao conhecimento geral sobre o mundo (leis da química, factos históricos, etc.), neste tipo de memória, não há localização no tempo, não estando ligado a nenhum conhecimento ou acção específicos, nem referenciado a nenhum facto específico do passado.

Ligação da memória a outros processos cognitivos:

A aprendizagem está intimamente ligada à memória, pois aquilo que aprendemos tem de ser conservado. “Não podemos aprender sem recordar, nem recordar sem aprender.” Os conhecimentos e as vivências anteriores, que eu recordo, permitem-me seleccionar, organizar e reconhecer as informações do presente.
A aprendizagem define-se como uma mudança relativamente estável e duradoura do comportamento e do conhecimento, que está relacionada com a experiência, com a descoberta... É através das experiências que aprendemos novas atitudes, novas competências, novos medos, novos conceitos, novas formas de resolver os problemas. Pela aprendizagem adquirimos saberes e desenvolvemos capacidades, ocorrendo uma mudança pessoal.
O processo de aprendizagem pressupõe comportamentos perceptivos, motores, intelectuais, emocionais e sociais. Inerente a este processo está a memória, pois só ela nos permite reter o que aprendemos para resolver situações presentes e projectar o futuro.
O termo memória provém do grego, de mnémon, que significa ‘que se recorda’. Aristóteles refere-se à memória como a faculdade de conservar o passado. A este propósito, George Gusdorf afirma que “a memória constitui uma espécie de retrato do que somos, composto com os traços do que fomos”. De facto, é a memória que nos dá o sentimento de identidade pessoal: as experiências vividas e acumuladas constituem o nosso património pessoal que nos distingue de todos os outros e nos torna únicos.

*POR QUE NÃO MANTEMOS SEMPRE O MESMO RITMO DE APRENDIZAGEM?

Quando estamos a aprender a andar de bicicleta, costumamos ter melhorias significativas na fase inicial da aprendizagem e, nos dias seguintes, avanços mais modestos. O mesmo acontece com a condução automóvel: há ganhos formidáveis na forma como conduzimos um carro nas primeiras semanas, mas nos anos subsequentes não evoluímos nesse ritmo. Por que razão isto acontece? Um grupo de investigadores do Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke - do qual faz parte o cientista português Rui Costa -, nos Estados Unidos, publicou há pouco tempo um estudo que aponta uma explicação para este mistério: os neurónios que "ganham" diferentes funções durante as duas fases de aprendizagem motora são, na realidade, regidos por processos neuronais distintos.
Um dos dotes especiais do nosso sistema nervoso é sua capacidade de gerir estrategicamente os recursos. É por isso, por exemplo, que os cegos congénitos costumam ouvir excepcionalmente bem: o cérebro reorganiza-se e canaliza determinadas conexões, que de outra forma seriam perdidas, para o processamento de sons. O exército de neurónios torna-se, assim, muito polivalente. As estruturas neuronais podem estabelecer diferentes conexões entre si. Se houver a baixa de um soldado, por exemplo, um outro militar pode aprender a função que o colega exercia antes. Ou então estabelecer novas alianças.
Esta comparação pode não ser muito rigorosa em termos científicos, mas ajuda a compreender a chamada plasticidade neuronais. É que, perante situações que envolvem a aprendizagem e a memória, o nosso cérebro opera mudanças nas redes neuronais. Por outras palavras, reorganiza as células nervosas em função dos processos desenvolvidos pelos circuitos cerebrais. Indivíduos que tocam piano ou que, uma vez cegos, começam a ler em Braille, por exemplo, passam a ter uma maior representação do córtex motor na ponta dos dedos.
Estas mudanças que ocorrem nos neurónios são, de alguma forma, um mecanismo que pode permitir a adaptação ao ambiente e a recuperação de lesões nervosas. Quando dizemos que os nossos neurónios não se reproduzem, muitas vezes não nos lembramos que, apesar da maior partes destas células do tecido nervoso não terem a propriedade de se multiplicar, elas são capazes de assumir novas funções e participar em diferentes circuitos.
A plasticidade neuronal que ocorre durante a prática de uma actividade motora - como escrever no computador ou tocar um instrumento musical - não se limita a um fenómeno único e linear. Esta investigação liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, o responsável pelo Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke, revela que a aprendizagem motora pressupõe uma fase rápida seguida de outra lenta e que, em cada uma destas etapas, decorrem plasticidades neuronais distintas.
Os cientistas registaram a actividade neuronal em zonas específicas dos cérebros dos ratinhos. Foram monitorizadas, mais exactamente, duas estruturas que funcionam em circuito: o córtex motor e os gânglios basais dorsais. Ao longo de três dias, os roedores foram observados enquanto faziam um determinado exercício físico (ver caixa). O trabalho evidenciou a existência de certos circuitos do cérebro que, durante as fases rápida e lenta da aprendizagem motora, sofrem modulações na sua actividade e conectividade neuronal. "Os gânglios basais dorsais estão envolvidos precisamente na aprendizagem de hábitos e tarefas motoras, bem como na noção de tempo. O córtex motor recebe indirectamente a informação vinda dos gânglios e participa na aprendizagem motora e na execução dos movimentos, mas também envia mensagens de volta para os gânglios, proporcionando assim um 'feedback' sobre o que está a acontecer. Eles trabalham como um circuito durante todas as fases de aprendizagem motora, mas há alturas em que os processo de plasticidade são similares em ambos e, por outro lado, há alturas em que cada estrutura aperfeiçoa diferentes partes do movimento", explica Rui Costa, autor deste trabalho, publicado na revista "Current Biology", em conjunto com Nicolelis e Dana Cohen.
Em relação à aprendizagem motora, estudos anteriores já haviam revelado mudanças na actividade e na conectividade neuronal em várias áreas do cérebro - o córtex motor e os gânglios basais dorsais, por exemplo. Só que ainda estava por explicar a natureza e a dinâmica desta plasticidade neuronal durante a aprendizagem motora. A equipa da Universidade de Duke verificou nesta experiência que, de facto, são díspares os fenómenos de plasticidade registados na fase rápida e lenta de aprendizagem motora.
Público - 27/07/2004 - POR ANDRÉIA AZEVEDO SOARES

*Tipos ou sistemas de memória

Ainda não sabemos exactamente quantos sistemas de memória existem e como devem ser designados. No entanto, algumas ideias gerais parecem estar assentes. Sabemos que a memória depende de alterações nos neurónios e nas suas ligações. Sabemos, também, que os sistemas de memória já identificados dependem de estruturas específicas do cérebro, de mecanismos próprios de codificação, de estratégias e de regras internas.

Um número de telefone pode apagar-se facilmente da nossa mente, mas uma recordação da infância pode manter-se para sempre. Assim se manifestam dois grandes tipos de memória, a breve, designada por memória de curto prazo, e a duradoura, designada por memória de longo prazo.

A memória de curto prazo envolve os processos que retêm a informação temporariamente até ser esquecida ou guardada num armazém de longo prazo tornando-se potencialmente permanente.

Apresenta duas componentes, a memória imediata e a de trabalho. A memória imediata retém a informação quando é recebida, tornando-se o centro da nossa atenção em determinado momento. Ocupa o pensamento durante mais ou menos 30 segundos e tem capacidade para mais ou menos sete ou oito itens. Mas este tempo pode alargar-se se o conteúdo for repetido. Lembremo-nos de quando éramos pequenos e a nossa mãe nos pedia que fôssemos comprar alguma coisa. Íamos pela rua fora a repetir mentalmente ou a cantarolar «cinco pães, um pacote de leite, um quilo de limões e o jornal». Esta é a memória de trabalho.

A memória de trabalho é uma espécie de lista de compras que é esquecida mal acabamos de a utilizar. Da mesma forma, um número de telefone é passível de ser mantido na memória durante um pequeno período de tempo, utilizando a mesma estratégia. E para isso até o decompomos em conjunto de dois ou três elementos. Em vez de repetirmos tudo de seguida 214295637, utilizamos três grupos de algarismos 214 295 637. Agora imagine-se alguém que tinha no seu atendedor de chamadas a seguinte mensagem: «Acabou de ligar para o duzentos e vinte e oito milhões, cento e cinquenta e três mil, novecentos e quarenta e dois. Deixe a sua mensagem após o sinal ou, no caso de ter urgência, ligue para o novecentos e trinta e três milhões, setecentos e vinte e um mil, e sessenta». Seria extremamente difícil não só compreender o número como retê-lo.

A memória imediata e de trabalho operam em paralelo e são os dois componentes principais da memória de curto prazo. Mas existem outros que se manifestam posteriormente até ao estabelecimento de uma memória estável. Permitem manter a informação de minutos a uma hora ou mesmo mais, bem para além do momento em que ela está a ser activamente retida. Por exemplo, "amanhã não me posso esquecer de levar o livro para emprestar à Ana". Após a tarefa cumprida, no dia seguinte, a memória desaparece.

A memória de longo prazo envolve os processos que retêm recordações como episódios da nossa vida, rostos de pessoas conhecidas ou conceitos.

Tanto a memória de curto prazo como a de longo prazo provocam alterações na estrutura e nas ligações das células nervosas. As mesmas ligações entre neurónios podem participar nos dois tipos de armazenamento. Existe um mecanismo semelhante a um "transformador molecular" que converte a memória de curto prazo em memória de longo prazo.

Na memória de longo prazo podemos identificar dois subsistemas diferentes, a memória declarativa e a memória não declarativa. Elas dependem de sistemas cerebrais diferentes.

A memória não declarativa, também chamada implícita ou "sem registo», é uma memória automática e reflexa, que guarda as Informações de "saber como fazer as coisas". As experiências são convertidas em processos que alteram a natureza do organismo e as suas competências.

Não é uma recordação, mas uma alteração de comportamento, tal como esquiar, ler um mapa ou andar de bicicleta. É inconsciente embora possa ser acompanhada de algumas recordações, «espera lá, como é que costumo fazer isto?». Podemos aprender a fazer qualquer coisa e a seguir lembrarmo-nos de alguns elementos da mesma como, por exemplo, imaginarmo-nos a executá-Ia. No entanto, a capacidade de desempenhar a competência parece ser independente de recordações conscientes.

A memória não declarativa envolve processos de aprendizagem simples e reflexos como hábitos e condicionamentos. Por exemplo, quando aprendemos a andar de bicicleta é provável prestarmos muita atenção às manobras da roda da frente, à posição do guiador e ao acto de pedalar, primeiro com o pé esquerdo e depois com o direito. Mas quando adquirimos prática, o acto de andar de bicicleta é guardado como memória não declarativa, conduzimos e pedalamos automaticamente. Não é necessário evocar conscientemente que é preciso pressionar os pedais com o pé direito e depois com o esquerdo. Estas memórias mantêm-se intactas durante anos ou décadas.

A memória não declarativa permite-nos conservar procedimentos para actuarmos no mundo. À medida que vamos crescendo, aprendemos a dizer «por favor» e «obrigado», a lavar os dentes antes de irmos para a cama e a executar uma série de outros comportamentos que resultam da prática. Adquirimos muitos desses hábitos nos primeiros anos de vida sem qualquer esforço óbvio e quase sem repararmos que a aprendizagem está a decorrer. Por exemplo, quando aprendemos a ler, passamos com hesitação de palavra para palavra mas, depois de alguma prática, conseguimos ler rapidamente, movimentando os olhos para um ponto diferente quatro vezes por segundo, compreendendo mais de trezentas palavras por minuto.

A memória declarativa, também chamada explícita ou «com registo», é uma memória consciente do passado, um conjunto de Informações sobre pessoas, lugares, situações, acontecimentos ou factos, que guarda informações do «saber que». É a ela que habitualmente nos referimos quando usamos o termo «memória». É uma memória consciente do nome da nossa avó, do primeiro rei de Portugal, dos planetas do sistema solar, da conversa desta manhã.

Lembremo-nos do nome de um dos nossos amigos. Lembremo-nos do rosto dessa pessoa, do som da sua voz e da maneira de falar. Depois, lembremo-nos de um acontecimento particular em que tenha participado, uma conversa importante, uma viagem ou uma festa especial. Estamos a recriar o episódio, na nossa imaginação, deslocando-nos para o contexto, espacial e temporal, em que aconteceu. Parece surpreendente a facilidade com que evocamos a cena e o que se passou. Curiosamente, ao realizarmos um exercício deste tipo não precisamos de treino nem de instruções. Recordar de forma vivida o passado é algo que todos fazemos diariamente, sem grande esforço. A memória declarativa é a memória de todos os conhecimentos que podem ser «declarados» sob a forma de proposições verbais ou de imagens mentais. Ela é imperfeita, passível de inexactidões e de distorções, mas também pode ser fiel, especialmente quando guarda conhecimentos gerais sobre o mundo. Podemos confundir o nome de uma pessoa ou uma data de aniversário, mas não confundimos um elefante com uma baleia.

Muitas actividades requerem os três tipos de memória. Vejamos o jogo do ténis. Conhecer as regras ou quantos sets são precisos para ganhar uma partida envolve a memória semântica. Lembrar o lado que foi o último a servir, requer a memória episódica. Saber lançar a bola ou fazer um serviço envolve a memória não declarativa.


Processos básicos de memória (Momentos essenciais)
• Recepção e codificação da informação
• Armazenamento da informação
• Recuperação da informação
• Esquecimento da informação


O matemático John Griffith estimou que, num tempo médio de vida, uma pessoa armazena o equivalente a quinhentas vezes mais informação do que aquela que se pode encontrar em todos os volumes da Enciclopédia Britânica. John von Newmann, um dos pais dos computadores, calculou que, em média, as recordações memorizadas durante toda a vida humana deveriam atingir 2,8 x 1020 unidades elementares de informação. Correspondentes a vinte e oito milhares de milhão de bits e cerca de trezentos milhões de gigabites. Haverá espaço no nosso cérebro para este incrível volume de recordações? Em termos teóricos, o nosso cérebro não está mal equipado, cem mil milhões de neurónios, cada um dos quais com centenas ou milhares de possíveis contactos nervosos com outros neurónios, constitui uma rede nervosa de notável potência. A capacidade da memória humana depende de operações muito complexas.


A primeira operação de tratamento da informação é a recepção e codificação. À medida que chega, a informação sensorial é codificada de forma a poder ser comunicada ao cérebro.



Podem ser utilizados vários códigos. Por exemplo, pensemos na frase "Hoje está sol". Se codificarmos o som das palavras, tal como foram ditas, estamos a usar um código acústico e a informação é representada na memória como uma sequência de sons. Se codificarmos a imagem das letras, tal como estão organizadas em signos, estamos a usar um código visual e a informação é representada na memória como uma imagem. Finalmente, se codificarmos o facto "estar sol", estamos a usar um código semântico, e a informação é representada na nossa memória pelo seu significado. O tipo de código usado pode influenciar o que é lembrado.

Quando a codificação envolve bastante trabalho, ou seja, quando a informação é processada a um nível profundo, lembramo-nos dela mais facilmente.

Quando estamos a estudar um assunto, quanto mais gostarmos dele, quanto mais necessidade, desejo ou curiosidade tivermos, quanto mais nos implicarmos nessa tarefa, melhor será a sua aprendizagem. Mesmo quando a memória de qualquer facto pareceu não exigir esforço, o processo não é assim automático. Determinadas situações ou factos são recordados porque nos interessam realmente, mesmo sem termos consciência disso. Lembramo-nos porque desencadeamos espontaneamente operações de codificação profundas e elaboradas. Se não estivermos a fazer um esforço deliberado, são os nossos interesses e preferências que direccionam a atenção e influenciam a quantidade e a qualidade da codificação.


O segundo processo é o armazenamento. Trata-se da manutenção da informação ao longo do tempo, muitas vezes durante muito tempo.



Recordar umas férias da infância depende da capacidade de armazenamento da nossa memória. De que forma é que a informação codificada se mantém na memória? Não existe um sítio específico no cérebro onde se arrumam as recordações. No entanto, a informação não está espalhada por todo o lado. Ainda não é possível localizar os pontos onde a representação de um determinado objecto está armazenada. Mas as novas técnicas de recolha de imagens cerebrais têm mostrado que várias regiões cerebrais estão envolvidas no registo de um único acontecimento, e que cada região contribui de forma diferente para o todo. As alterações no cérebro, resultado da codificação e do registo da experiência, produzem traços mnésicos também chamados engramas.

A informação nova vai modificar um conjunto complexo de processos bioquímicos e cada informação, engrama, é representada por uma configuração particular da actividade nervosa. Num primeiro momento, o engrama é dinâmico e produzem-se mudanças nas ligações neuronais. Depois, torna-se estrutural, permanente, e capaz de reproduzir a actividade nervosa necessária à actualização da informação. Por isso, a memória não se estabelece num momento. Pelo contrário, leva um tempo considerável a desenvolver a sua forma permanente. O processo de fixação requer várias etapas e até estar completo, a memória mantém-se vulnerável a perturbações. Grande parte deste processo completa-se durante as primeiras horas de aprendizagem. Mas a estabilização estende-se muito para além deste ponto e envolve alterações contínuas na organização da memória de longo prazo.


O terceiro processo é a recuperação. Ocorre quando localizamos a informação na memória e a trazemos à consciência.


Recuperar informações armazenadas, como um endereço ou um número de telefone, é normalmente tão rápido e fácil que parece automático. Só quando tentamos recordar outros tipos de informação, tal como a resposta a uma pergunta que conhecemos mas que não conseguimos evocar, tomamos consciência do processo de busca. O processo de recuperação inclui a evocação e o reconhecimento. Quando não somos capazes de nos lembrar do nome de alguém, mas sabemos que conhecemos aquela cara, está em jogo este processo. Analisamos o estímulo, a cara, e procuramos na memória o nome que lhe está associado. Primeiro temos que saber se conhecemos a cara ou não, reconhecimento, e depois procuramos o tal nome, evocação. Quando estamos a responder a itens de escolha múltipla, estamos perante informação que identificamos e comparamos com a que temos guardada. É uma tarefa de reconhecimento.

A recuperação é ajudada por pistas, as alternativas. Quando estamos a responder a itens de resposta aberta, temos que procurar a informação necessária, a partir de estímulos gerais. É uma tarefa de evocação. Temos de recuperar a informação sem muita ajuda. O reconhecimento tende a ser mais fácil do que a evocação.


E como a nossa memória não é um gravador de som nem de imagem, os erros podem introduzir-se em qualquer momento, durante a codificação, o armazenamento ou a recuperação. Não sabemos ainda se o cérebro tem limites para armazenar informação. Mas sabemos que algumas situações, como a fadiga ou o aborrecimento, podem dificultar todo este processo. A última operação que falta neste esquema é o esquecimento e dele nos ocuparemos a seguir.


Memória e esquecimento



Esquecimento
Florbela Espanca


Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tacteio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era eu meu já me não lembro...
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos...!


Texto extraído do livro "Sonetos", Bertrand Brasil - Rio de Janeiro, 2002, pág. 181.



O esquecimento é uma condição da memória

Os mais velhos têm frequentemente a sensação de que a sua memória está a abarrotar de recordações e que às vezes é difícil lembrarem-se daquilo que é útil e deixar de lado aquilo que, pelo contrário, parece "inútil". Mas independentemente da idade, a maior parte das pessoas considera que a sua memória não funciona tal como gostariam.

O esquecimento é normalmente sentido como uma espécie de "patologia" da memória. Porém, todas as pessoas, dia após dia, sabem o seu nome, fazem o jantar, lêem, entram no seu carro e conduzem no meio do trânsito travando, acelerando, accionando as mudanças, sem acusarem qualquer problema de memória.

O esquecimento é a incapacidade, provisória ou definitiva, de aceder conscientemente a uma informação adquirida ou a uma experiência vivida no passado mais imediato ou mais longínquo.


No dia seguinte a vermos um filme conseguimos contar o argumento e a acção de forma detalhada. No entanto, um ano mais tarde, não nos lembramos senão de um esboço do filme e talvez de fragmentos de algumas cenas.

À primeira vista, o esquecimento parece ser uma desvantagem. Não seria melhor recordar tudo o que lemos, nunca nos esquecermos de onde deixámos as chaves ou os óculos, guardarmos todas as situações que consideramos importantes? Esta questão não tem ainda uma resposta clara, mas parece que, sem esquecimento, a nossa capacidade de adaptação estaria seriamente ameaçada. O esquecimento é consequência do funcionamento da memória e, longe de ser uma limitação, é uma necessidade. Os sistemas cognitivos artificiais não esquecem nada, o que significa que não são capazes de modificar significativamente a informação em função da sua experiência do mundo. Podemos compreender este facto se analisarmos o que se passa com pessoas que não conseguem esquecer.


Uma pergunta que parece importante é «Esquecemos realmente a informação, ela desaparece do nosso cérebro, ou perdemos a capacidade de nos lembrar dela?»

O esquecimento repressivo (motivação inconsciente)

As amnésias psicopatológicas foram identificadas no fim do século XIX, tendo sido Freud um dos investigadores que se interessaram por este assunto. Elas manifestam--se como um esquecimento defensivo. A pessoa evita a recordação consciente de um acontecimento doloroso do passado, exercendo, inconscientemente, uma repressão sobre memórias penosas. Freud considerava que situações, por exemplo da infância,
que nos tenham perturbado e produzido angústia podem ser «recalcadas», guardadas de forma a dificilmente termos acesso a elas. O esquecimento destas situações seria psicologicamente motivado. Existe um mecanismo de defesa, o recalcamento, que nos protege de recordar factos que podem ser emocionalmente muito perturbadores. Estas memórias seriam guardadas no inconsciente por serem demasiado ameaçadoras se lembradas.

O esquecimento provocado

Este tipo de esquecimento pode ser consequência da ingestão de medicação, de drogas ou de álcool. Uma das personagens de Shakespeare, Lady Macbeth, que precisa de agir em segredo, decide recorrer às bem conhecidas propriedades do álcool, e afirma: «De tal forma hei-de embrutecer os camareiros no vinho, que neles, a memória guardiã do cérebro, será fumo, e a sede da razão, um simples alambique». O álcool, como é sabido, não reduz apenas o tempo de reacção, o sentido crítico, a ansiedade, mas age também sobre a memória. E Shakespeare que, ao que parece, se embriagava frequentemente, observa que o vinho pode alterar a memória por um breve período de tempo. Uma ingestão continuada de álcool em grandes quantidades tem consequências bem conhecidas de perda de concentração, problemas de equilíbrio e deficiente sentido de coordenação. Começa por destruir células do fígado e de partes do cérebro e pode conduzir a uma forma de amnésia grave e irreversível, conhecida como Síndrome de Korsakoff, devida à falta de tiamina, uma vitamina do complexo B, que no alcoólico não é suficientemente absorvida.

Depressão

Alzheimer

Intoxicações

AVC




O efeito de drogas que criam dependência é complexo e, em geral, prejudicial para a memória. Existem fármacos que penetram nas células do cérebro para tratar várias doenças como a epilepsia, a doença de Parkinson ou estados depressivos. Tomados nas doses recomendadas, não afectam a memória de modo grave. A excepção são os chamados «tranquilizantes», que podem provocar esquecimento ou mesmo amnésia quando tomados sem vigilância médica ou em doses excessivas. Toda a medicação eficaz tem inevitavelmente efeitos colaterais. As vantagens têm de ser confrontadas com os riscos e isso só o médico pode avaliar.

O esquecimento provocado também pode ser consequência de doenças e lesões cerebrais. Traumatismos, doenças do foro neurológico, acidentes vasculares cerebrais, tumores ou intervenções cirúrgicas, podem produzir lesões directas no suporte material da memória, quer dizer, no cérebro. Por exemplo, a doença de Alzheimer é uma degradação mental progressiva, que ocorre normalmente em pessoas de idade avançada. Os primeiros sintomas são distúrbios da memória que se tornam progressivamente mais graves até à incapacidade de se reconhecer a si próprio. Nestes doentes, a memória autobiográfica parece ser a mais afectada. Os estados de stress e de depressão, ou os choques emocionais fortes também podem causar amnésias.

O esquecimento regressivo

Com a idade, muitas pessoas podem manifestar dificuldades de memória quer ao nível de aprendizagens novas, que na evocação de nomes de pessoas conhecidas ou de acontecimentos recentes. Estas perturbações são muito diferentes das referidas anteriormente, mesmo se resultarem da degenerescência progressiva dos tecidos celulares cerebrais devida à idade. No entanto, com o aumento da esperança de vida, os progressos da medicina, a vontade das pessoas mais velhas de continuarem a trabalhar e a assumir responsabilidades sociais, os efeitos negativos da senescência são diminuídos. As investigações mostram que a capacidade da memória imediata muda relativamente pouco com a idade, mas as tarefas de atenção partilhada ou a memória de trabalho são mais afectadas. É importante salientar que isto depende da ocupação da pessoa e das capacidades cognitivas que continua ou não a exercer.


O esquecimento vulgar (interferência de novas aprendizagens)

• Inibição proactiva – Deterioração dos conteúdos mnésicos provocada pela interferência de recordações passadas.
• Inibição rectroactiva – Deterioração dos conteúdos mnésicos provocada pela interferência de novas informações.

Pode acontecer que a memória esteja lá e nós não a consigamos evocar por falta de pistas. Mas também pode acontecer que os traços mnésicos não passem para a memória de longo prazo pela capacidade limitada desta memória ou porque não foram transferidos. O carácter sucessivo de actividades mais ou menos similares efectuadas pela pessoa pode ser responsável pelo esquecimento. Mas, hoje em dia, aquilo que a investigação demonstra como sendo mais provável é que, como as experiências novas implicam sempre a reorganização das representações da memória, ou seja, dos circuitos da informação nas redes de neurónios, os nossos registos da experiência vão-se alterando, enfraquecendo e modificando, produzindo-se neste processo o esquecimento. As memórias não declarativas tendem a ser mais estáveis do que as declarativas.









Memória, memórias

A memória permite-nos saber quem somos


Somos quem somos porque conseguimos lembrar-nos daquilo em que pensamos. Cada pensamento que temos, cada palavra que dizemos, cada acção que levamos a cabo, na verdade, o sentido de nós mesmos e o sentido de ligação com outros, deve-se à nossa memória, à capacidade de o nosso cérebro registar e armazenar as nossas experiências. A memória é a cola que aglutina a nossa vida mental, a base que sustenta a nossa história pessoal e que possibilita o crescimento e a mudança ao longo da vida. Quando se perde a memória perde-se a capacidade de recriar o nosso passado e, em consequência, perde-se a nossa ligação connosco próprios e com os outros.

Adaptado de L. Squire e E. Kandel, Memória. Da mente às moléculas, 2002


A identidade pessoal

Já sabemos que à medida que vamos adquirindo informação o nosso cérebro se modifica. Uma vez que todos somos educados em ambientes de certo modo diferentes e temos experiências também diferentes, a arquitectura do cérebro de cada um de nós é alterada de forma única. Mesmo os gémeos idênticos, que partilham os mesmos genes, não têm cérebros iguais, pois também eles têm experiências de vida algo diferentes. É evidente que cada um de nós tem um conjunto de estruturas cerebrais e um padrão comum de ligações entre os neurónios baseados no esquema da nossa espécie. Este esquema básico do cérebro humano é igual para todos os indivíduos. Mas os pormenores do esquema variam de pessoa para pessoa. Por isso, cada um de nós é único, como única é a experiência de vida registada na memória.

A maior parte daquilo que sabemos sobre o mundo não existe na nossa mente à nascença, sendo adquirido através da experiência e guardado na memória. Somos quem somos, em grande parte, devido ao que aprendemos e lembramos. Quando recordamos, utilizamos uma representação de nós próprios para nós próprios e para aqueles que nos rodeiam.


Somos a forma como nos representamos nas nossas memórias, a forma como nos definimos como pessoas e como membros de grupos através das nossas memórias, a forma como ordenamos e estruturamos as ideias nas nossas memórias e a forma como transmitimos essas memórias a outros. Somos aquilo de que nos lembramos. A perda da memória conduz à perda do sentimento de si, à perda da nossa história de vida e à perda de vínculos com outros seres humanos.



Assim, a memória permite ordenar e dar sentido às recordações significativas de uma vida. A memória organiza o processo contínuo de construção da nossa identidade, através do qual nos tornámos únicos, do ponto de vista biológico e cultural. O nosso processo de construção não tem fim. É sempre um processo de reconstrução.

Quando somos crianças, esperamos que os pais e os avós nos falem de como éramos em bebés, nos contem histórias acerca de nós, nos digam quem somos. As histórias contadas às crianças contribuem para lhes dizer quem são elas e quem são os outros, o que é o mundo, de onde vem e para onde poderá ir. A criança, quando pede ao avô para lhe contar uma história, procura não só a dimensão fantástica que o conto encerra, como também a sua própria identidade.

Fotografar as crianças é fazer-se historiador da sua infância e preparar-lhes um legado de imagens e de memórias do que foram. O álbum de retratos de uma família exprime uma recordação social. As imagens do passado, dispostas por ordem cronológica, evocam os acontecimentos importantes. São também factores de relação porque vão buscar ao passado a confirmação da sua unidade presente. É por isso que não há nada que estabeleça mais a confiança do que um álbum de família. Todas as aventuras singulares da recordação individual se esbatem e o passado comum emerge. A memória é um mosaico em que se alternam imagens e interpretações da realidade, factos e opiniões, significados e valores, sentido do passado e antecipação do futuro. Nesta perspectiva, a memória dos mais velhos serve de ponte entre o passado e o futuro, assegura a continuidade histórica e, não menos importante, leva-nos a reflectir acerca do significado individual e colectivo das recordações.


A memória social

A capacidade de evocação e de reconstrução de episódios do passado é importante não apenas para cada um de nós como para a colectividade. Histórias e memórias individuais e colectivas estão intimamente relacionadas.

Por isso, a memória não é apenas um registo da experiência pessoal. Os seres humanos têm capacidade para comunicar aos outros o que aprenderam. Ao fazê-lo, criam culturas que podem ser transmitidas de geração em geração. A memória é estruturada pela linguagem, pela observação, por ideias assumidas colectivamente e por experiências partilhadas com os outros. Tudo isto constrói a memória social.


A memória social guarda acontecimentos e experiências passadas, reais ou imaginárias. Com efeito, a experiência passada, recordada, e as imagens partilhadas do passado histórico são recordações importantes para a constituição dos grupos sociais no presente.



A memória não se divide em dois compartimentos um pessoal e outro social. Algumas das nossas recordações parecem na verdade ser mais privadas e pessoais do que outras. No entanto, esta distinção entre memória pessoal e memória social é relativa. As nossas recordações estão misturadas e têm ao mesmo tempo um aspecto social e outro pessoal.

A nossa memória estrutura-se em identidades de grupo.

Recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da organização em que estamos inseridos, e assim por diante. Estas recordações são essencialmente memórias de grupo e a memória de uma pessoa só existe na medida em que essa pessoa é um produto único de determinada relação de grupos.

As recordações que partilhamos com outros são aquelas que são relevantes no contexto de um certo grupo social, quer seja estruturado e duradouro (família, por exemplo) ou informal e temporário (um grupo de amigos que frequenta a mesma escola). Os grupos sociais constroem as suas próprias imagens do mundo criando uma versão própria do passado. Na verdade, as nossas recordações pessoais e até a forma como as recordamos são na sua origem, sociais. A memória é um processo complexo que inclui tudo, desde uma sensação mental altamente privada e espontânea, até uma solene cerimónia pública.

A memória colectiva é o que fica da vivência dos grupos, ou o que estes fazem do passado. Nas sociedades sem escrita há especialistas da memória, «homens -memória», narradores e contadores de histórias. Também antigamente se veneravam os velhos porque eles eram guardiães da memória, com prestígio e úteis à comunidade. A memória traduz-se num «comportamento narrativo» com uma função social, porque é uma comunicação ao outro na ausência desse acontecimento. (Sugestão de leitura: “Cão velho entre flores” de Baptista-Bastos)


A memória, paradoxalmente, tem um carácter transitório. Podemos imaginá-Ia como um lugar onde se guardam objectos de valor, adquiridos durante uma vida de árduo trabalho. Mas tratam-se de objectos que não sobrevivem à morte da pessoa e que não podem ser deixados em herança. Para nos defendermos deste carácter transitório inerente à mortalidade da memória, desenvolvemos memórias artificiais. A prótese mais antiga é a escrita, na Antiguidade, sobre tábuas de argila ou de cera e sobre papiro, na Idade Média sobre pergaminho e pele e, mais tarde, sobre papel. Sobre estas superfícies podiam traçar-se desenhos de todo o tipo, caracteres, planos, retratos, mapas. O aparecimento da fotografia, em 1839, proporcionou uma memória artificial que se aperfeiçoou rapidamente e que oferecia a possibilidade de registar imagens em movimento. A conservação do som" um sonho durante séculos, tornou-se realidade graças ao fonógrafo de Edison patenteado em 1877. Hoje em dia, dispomos de numerosas memórias externas para gravar o que registam a vista e o ouvido, cassetes, vídeos, CD, memórias de computador, hologramas. Agora, a imagem e o som podem deslocar-se no tempo, são repetíveis, reproduzíveis, numa escala que parecia impensável há 50 anos.


A amnésia não é só uma perturbação individual. A falta ou perda de memória colectiva dos povos e das nações, voluntária ou involuntária, pode produzir perturbações graves na identidade colectiva. As recordações podem ser manipuladas, consciente ou inconscientemente, pelos interesses, desejos ou censura. Na história da humanidade, a memória colectiva várias vezes foi posta em causa em lutas pelo poder. Apoderar-se da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações dos grupos ou dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva. Por isso a memória colectiva é também um instrumento e um objectivo de poder. Em determinados momentos, a memória social foi alterada, falsificando-se arquivos, textos de História e até material fotográfico.

Há um slogan que diz «Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o futuro». (Sugestão de leitura: 1984, G. Orwell)

As recordações familiares, as histórias de um determinado lugar, de uma família, de conhecimentos não oficiais, não institucionalizados, representam a consciência colectiva não só de uma pessoa, através da sua experiência pessoal como de grupos inteiros, de famílias, de comunidades. Esta memória pode contrapor-se a um conhecimento privatizado e monopolizado por grupos que desejam defender interesses próprios. A memória procura salvar o passado apenas para dar sentido ao presente e construir o futuro. Por isso, a memória colectiva de servir para libertar e não para escravizar os homens.

*Factores envolvidos no esquecimento

O esquecimento não pode ser encarado como uma lacuna da memória, com uma doença. Ele é condição da própria memória, acabamos por esquecer para continuar a reter, o esquecimento tem uma função selectiva dado que afasta materiais que não são úteis ou necessários. Assim, o esquecimento pode atingir a fase de concepção, armazenamento ou de recuperação.
O esquecimento é definido pela incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma informação. Há lesões ou doenças cerebrais que podem provocar a perda de informação que vai desde o esquecimento à amnésia ou perda de memória.
Actualmente consta-se que o esquecimento não é produto apenas de um facto, mas da convergência de vários factores.
O desaparecimento e alteração do traço amnésico, explica o esquecimento que reside no desaparecimento do traço fisiológico registado no cérebro – enframa – devido á passagem do tempo. O esquecimento teria origem na perda de retenção provocada pela não utilização dos materiais armazenados. O traço enfraqueceria devido á falta de repetição de exercício. Porém, não se pode reduzir o esquecimento a este factor, até porque o esquecimento tem origem fundamentalmente na deformação dos conteúdos retidos, como a distorção provocada pela atribuição de designações desadequadas que acabariam por ficar retidos na memória. Daí que não é possível recordar com exactidão materiais dos quais foram atribuídos significados inexactos. Recentes investigações mostram o facto das deformações ocorrerem na forma como as percepcionamos e não na mudança do traço da memória. Mas as alterações no desaparecimento do traço da memória podem também ter a ver com as capacidades internas, como os significados que atribuímos ou com fantasias que temos.
O esquecimento também é afectado pelas interferências de novas aprendizagens. Distinguem-se duas formas de interferências. A inibição proactiva correspondente à influencia negativa que a aprendizagem tem sobre a recordação de uma nova informação. Diferentemente, a inibição retroactiva corresponde ao efeito negativo que a informação nova tem sobre a anterior, podendo acabar por esquecer a recordação do passado devido à utilização de recalcamentos presentes. Neste caso, o processo de interferência aumenta o exercício.
A motivação do inconsciente, segundo Freud e a sua teoria sobre o psiquismo humano, o ser humano esquece, inconscientemente, o que lhe convém esquecer. A sua explicação para tal baseia-se na sua noção de recalcamento, isto é, as recordações dolorosas eram inibidas, mantendo-se as recalcadas por acontecimentos traumatizantes no inconsciente. O esquecimento teria portanto um carácter selectivo, mantendo-se as angústias na zona inconsciente do psiquismo. Com os impactos negativos submersos as pessoas manteriam o seu potencial dinâmico, acabando por influenciar os seus próprios comportamentos. Tudo isto, acrescentando ao facto da resistência pessoal impedir que as lembranças menos agradáveis sejam evocadas na consciência.
Portanto o esquecimento não é apenas o quociente entre a retenção e a memoria, antes resulta da convergência de diferentes factores. Actualmente as interferências da aprendizagem da experiência influenciam a vida social ao ponto de grande parte das pessoas não conseguir recordar-se do passado, devido ao facto da sua memória ter sofrido modificações por acumulação de demasiada informação. Assim uma boa memória é útil, mas a capacidade de esquecer é indispensável a cada identidade humana.