segunda-feira, 29 de março de 2010

As escalas de Wechsler

Wechsler, psicólogo americano, considerou que a escala de Stanford-Binet apresentava alguns aspectos problemáticos, nomeadamente os seguintes:

1. A quase totalidade dos itens serem de natureza verbal.

2. Ser uma escala orientada para a avaliação de crianças em idade escolar, pelo que a organização por idades, o tipo de provas, a escolha do material, os critérios de cotação são pouco adequados para medir a inteligência de adultos.

Com o objectivo de ultrapassar estes problemas, Wechsler entregou-se durante vários anos à construção de testes de inteligência cuja publicação teve início em 1939. Entre os elementos inovadores em relação à escala de Stanford-Binet, destacam-se os seguintes:

• Elaboração de uma escala para adultos (WAIS) e uma escala para crianças (WISC).

• Organização de subtestes das escalas feita por capacidades específicas e não por idades.

• Distinção de duas grandes categorias de capacidades: inteligência verbal e inteligência de execução.

Os resultados do teste permitem determinar:

1. Um Q.I. global;
2. Um Q.I. verbal;
3. Um Q.I. de execução;
4. Um perfil das diferentes capacidades do sujeito para detectar as suas áreas mais fortes e as mais fracas.

As escalas de Wechsler são constituídas por doze testes, seis dos quais são verbais e os outros seis de execução. A sua distribuição é a seguinte:

Escala Verbal
• Informação

• Semelhanças

• Aritmética

• Vocabulário

• Compreensão

• Memória de dígitos

Escala de Execução
• Completamento de figuras

• Ordenação de figuras

• Organização de blocos

• Composição de objectos

• Códigos

• Labirintos











• Testes colectivos

Tanto a escala de Stanford-Binet como a de Wechsler são aplicadas individualmente, sendo necessário que o examinador gaste cerca de uma hora com cada sujeito.
Quando, em 1917, os EUA decidiram entrar na 1ª Guerra Mundial, foi necessário, em pouco tempo, recrutar e distribuir grande número de soldados pelos diferentes serviços. Isso levou a que fossem construídos testes colectivos de inteligência: os testes alfa, para os que sabiam ler e escrever, os testes beta, para os iletrados.

Os resultados com a aplicação destes testes foram considerados um sucesso e, a partir de então, não deixaram de aparecer novos testes colectivos, quer para medir a inteligência corno capacidade geral quer para medir aptidões mais específicas.
Os testes de aplicação colectiva constituem uma forma económica de avaliar capacidades a um grande número de pessoas.
Entre os testes colectivos mais frequentemente usados, conta-se o teste das matrizes progressivas construído por John Raven (MPR).


É constituído por cinco séries de doze itens cada um e, dentro de cada série, os itens estão dispostos por ordem crescente de dificuldade. Essencialmente, este teste procura avaliar a capacidade de raciocínio abstracto.

O teste das matrizes progressivas tem, sobre os testes individuais, a vantagem de não exigir respostas verbais nem conhecimentos específicos. Além disso, as instruções são simples e fáceis de traduzir para qualquer língua. Contudo, é necessário que os sujeitos a quem se aplicam estejam familiarizados com testes de papel e lápis e com a ideia de reconhecer padrões visuais, pelo que não podem ser aplicados a indivíduos pertencentes a sociedades não escolarizadas ou sociedades não tecnológicas.

Os resultados obtidos pela aplicação das matrizes progressivas de Raven (MPR) são muito aproximados dos resultados fornecidos pelas escalas de Binet e Wechsler. A grande desvantagem, segundo Sternberg, é não fornecerem qualquer indicação sobre as áreas em que cada indivíduo sobressai ou sobre aquelas em que é mais fraco, como acontece noutros testes de Q.I., como os de Wechsler, por exemplo.



A controvérsia acerca da medição da inteligência


Um professor universitário, numa das suas aulas para alunos já em final de curso, decidiu pôr os seus alunos a resolver testes de QI. Levou-os para casa e avaliou-os. Tinha resultados que variavam entre os 60 (pontuação que revela severa e grave falta de inteligência) e os 150 (uma pontuação de génio). Resolveu entregar os resultados aos alunos em envelope fechado, mas, propositadamente, trocou os nomes dos alunos. Estes, aos abrirem os envelopes e ao depararem com a pontuação inscrita (que provavelmente não era a sua), tiveram diferentes reacções, sendo de destacar que os que tiveram pontuações mais baixas ficaram muito calados, tentando passar despercebidos, enquanto os que tiveram as pontuações mais altas apressaram-se a inchar o peito e a publicitar a sua genialidade. O inteligente professor confessou então o que tinha feito. E mostrou para que serviam os testes de QI. Acham que alguém esqueceu esta lição?
Pelas possibilidades que abriu na investigação psicológica e, mais ainda, na prática de psicologia aplicada, a medição da inteligência constitui o mais notável contributo da psicologia científica.

Apesar de, em muitos sentidos, gozar ainda de excelente saúde, o modelo psicométrico tem vindo a ser alvo de críticas contundentes por parte de numerosos sectores de opinião, em especial a partir dos anos 60. Pode dizer-se que os testes de inteligência têm constituído o tópico de maior controvérsia, desencadeando-se a seu respeito muitos e acesos debates científicos, sociais e políticos.

• Questões de ordem técnica

• Algumas das críticas incidem em questões técnicas relativas à construção dos testes, pondo em causa os métodos usados na sua estandardização e no cálculo da fidelidade, validade e sensibilidade.

Como sabemos, estas características são os elementos fundamentais de um bom teste psicométrico, pelo que, uma vez questionadas, acarretam a consideração de que os testes não são instrumentos de medida tão seguros, precisos e credíveis como se pensava.

• Outras críticas incidem no número reduzido de capacidades susceptíveis de ser avaliadas, o que conduz a que seja comum pensar-se que a inteligência é a capacidade que o teste mede e que é numericamente expressa pelo Q.I.

De facto, os testes de Q.I. medem apenas a inteligência abstracta ou conceptual, o que é uma pequena parte de inteligência, apenas aquela que se associa ao êxito da carreira académica, deixando por avaliar as capacidades implicadas na música, canto, dança ou em outras actividades que o homem manifesta ao ser, por exemplo, poeta, pintor, caçador ou carpinteiro.

• Por outro lado, estes testes tradicionais estão organizados de modo a exigir para cada item uma resposta correcta.

Ora, a vida real apresenta constantes desafios que nos obrigam a colocar diferentes alternativas e, sobretudo, a avaliar as vantagens e desvantagens de cada uma dessas alternativas.

• Questões de ordem ética e social

As discussões mais acesas têm-se centrado em questões de natureza ética e social. De entre as razões apresentadas para questionar a validade dos testes e levar a repensar o seu uso destacam-se:

• Os testes de inteligência favorecem os indivíduos das classes sociais média e alta da cultura ocidental, prejudicando os que pertencem às classes sociais mais baixas ou de outros contextos sociais diferentes.

• Os indivíduos que num teste de inteligência obtêm um valor baixo de Q.I., por mais talentosos que venham a revelar-se, dificilmente se libertarão do estigma de pouco inteligentes. Isto acontece, sobretudo, em países onde os resultados de testes estandardizados têm um peso enorme no futuro dos estudantes, o que não acontece entre nós.

Estas críticas radicam, pois, na ideia partilhada por muitas pessoas de que os testes se constituíram como um meio de discriminar as pessoas, restringindo o acesso de muitas delas a carreiras escolares e profissionais. Este problema põe-se com especial relevância em sociedades como as dos Estados Unidos da América e Canadá, cuja população é constituída por pessoas de muitas raças e etnias, com grande diversidade cultural e pertencentes a estratos sociais que vão do muito pobre ao muito rico. É sabido que nos níveis sociais superiores se encontram maioritariamente os brancos, enquanto os níveis inferiores da hierarquia social são ocupados por negros e por diversas minorias étnicas.

Relacionando estes dados com estudos que afirmam que o Q.I. dos africanos é, em média, quinze pontos inferior ao dos euro-americanos, há analistas que afirmam que os testes de inteligência têm sido uma poderosa arma de camuflagem científica para dar cobertura a preconceitos raciais, étnicos e sociais. Daí defenderem a ideia de que o uso de testes psicométricos deve ser abandonado, por serem escalonadores das pessoas em função do Q.I. e discriminadores quanto ao destino de muitas vidas escolares e profissionais.

Não sendo tão radicais quanto ao uso de testes de inteligência, há quem proponha que se deixe de usar o termo Q.I., ou qualquer outro índice cuja definição numérica se faça em termos de desvio em relação a 100.


CRÍTICAS AO USO DOS TESTES DE INTELIGÊNCIA

1 Induzem a pensar que o valor do Q.I. é sinónimo de inteligência.

2 Avaliam apenas as aptidões relacionadas com o sucesso escolar.

3 Não avaliam as capacidades para lidar com problemas práticos da vida social.

4 Não avaliam as capacidades criativas.

5 Estigmatizam os sujeitos de baixo Q.I.

6 Prejudicam as pessoas social e culturalmente já desfavorecidas.

7 Prejudicam os que têm boas capacidades que não as académicas.

8 Determinam, em larga medida, o futuro escolar e profissional das crianças e dos jovens.

Há especialistas que, embora críticos relativamente a alguns aspectos dos testes e do seu uso, chamam a atenção para as consequências negativas do seu abandono.

Abolir os testes poderia conduzir a situações eventualmente ainda mais injustas e mais discriminatórias do que as anteriores. É que o acesso de qualquer candidato a uma escola, a um curso universitário, a um emprego ou a uma carreira, correria o risco de depender de critérios subjectivos de quem toma a decisão. E quem decide não é imune a preconceitos raciais, religiosos, políticos ou quaisquer outros.

O que de certo se pode dizer quanto aos testes de Q.I., ou seja, o que parece não levantar objecções, é que eles constituem um bom preditor do sucesso escolar, desde que aplicados dentro de determinados limites relacionados com os testes em si mesmos, com quem os aplica, com os sujeitos a quem se aplicam e com o fim para que se aplicam.

LIMITES DE APLICAÇÃO E VALIDADE DOS TESTES

• Não podem usar-se testes que não apresentam qualidades metrológicas adequadas.

• Só podem ser aplicados por profissionais devidamente credenciados.

• Não podem ser aplicados a sujeitos que não pertençam à população para que foram construídos e estandardizados.

• Só podem administrar-se a pessoas familiarizadas com a situação de teste e motivadas para a sua realização.

• Só podem ser usados para prever o rendimento académico.

• Não se podem fazer inferências a respeito daquilo que o teste não mede.



Fora destes limites, é abusivo e eticamente inaceitável o uso dos testes de inteligência. Os primeiros testes de inteligência foram construídos, de facto, para serem aplicados a crianças brancas, da classe média de urna sociedade ocidental escolarizada. Logo, não podem ser aplicados a urna população com características diferentes nem mesmo a uma população culturalmente próxima, sem ser feita urna cuidadosa adaptação.

Entre nós, à falta de testes aferidos para a população portuguesa, houve quem usasse nos testes verbais da WAIS urna tradução literal da versão francesa onde constavam perguntas corno:

- Quais as cores da bandeira francesa? (No original americano: Quais as cores da bandeira dos EUA?)

- Victor Hugo é um homem célebre. Quem é?
- Onde morreu Napoleão?
- O que significa o provérbio seguinte? "É preciso colocar o campanário no meio da paróquia."

Como consequência, os valores de Q.I. dos portugueses eram, dizia-se, muito inferiores aos dos franceses! Trata-se de urna questão que tem a ver com o uso ilícito e eticamente inqualificável e não com a validade dos testes de inteligência.

Se nenhuma destas condições for violada, os testes constituem um instrumento válido de grande utilidade para ajudar a tornar decisões quanto ao encaminhamento adequado das crianças e dos jovens em idade escolar.

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