segunda-feira, 29 de março de 2010

*POR QUE NÃO MANTEMOS SEMPRE O MESMO RITMO DE APRENDIZAGEM?

Quando estamos a aprender a andar de bicicleta, costumamos ter melhorias significativas na fase inicial da aprendizagem e, nos dias seguintes, avanços mais modestos. O mesmo acontece com a condução automóvel: há ganhos formidáveis na forma como conduzimos um carro nas primeiras semanas, mas nos anos subsequentes não evoluímos nesse ritmo. Por que razão isto acontece? Um grupo de investigadores do Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke - do qual faz parte o cientista português Rui Costa -, nos Estados Unidos, publicou há pouco tempo um estudo que aponta uma explicação para este mistério: os neurónios que "ganham" diferentes funções durante as duas fases de aprendizagem motora são, na realidade, regidos por processos neuronais distintos.
Um dos dotes especiais do nosso sistema nervoso é sua capacidade de gerir estrategicamente os recursos. É por isso, por exemplo, que os cegos congénitos costumam ouvir excepcionalmente bem: o cérebro reorganiza-se e canaliza determinadas conexões, que de outra forma seriam perdidas, para o processamento de sons. O exército de neurónios torna-se, assim, muito polivalente. As estruturas neuronais podem estabelecer diferentes conexões entre si. Se houver a baixa de um soldado, por exemplo, um outro militar pode aprender a função que o colega exercia antes. Ou então estabelecer novas alianças.
Esta comparação pode não ser muito rigorosa em termos científicos, mas ajuda a compreender a chamada plasticidade neuronais. É que, perante situações que envolvem a aprendizagem e a memória, o nosso cérebro opera mudanças nas redes neuronais. Por outras palavras, reorganiza as células nervosas em função dos processos desenvolvidos pelos circuitos cerebrais. Indivíduos que tocam piano ou que, uma vez cegos, começam a ler em Braille, por exemplo, passam a ter uma maior representação do córtex motor na ponta dos dedos.
Estas mudanças que ocorrem nos neurónios são, de alguma forma, um mecanismo que pode permitir a adaptação ao ambiente e a recuperação de lesões nervosas. Quando dizemos que os nossos neurónios não se reproduzem, muitas vezes não nos lembramos que, apesar da maior partes destas células do tecido nervoso não terem a propriedade de se multiplicar, elas são capazes de assumir novas funções e participar em diferentes circuitos.
A plasticidade neuronal que ocorre durante a prática de uma actividade motora - como escrever no computador ou tocar um instrumento musical - não se limita a um fenómeno único e linear. Esta investigação liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, o responsável pelo Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke, revela que a aprendizagem motora pressupõe uma fase rápida seguida de outra lenta e que, em cada uma destas etapas, decorrem plasticidades neuronais distintas.
Os cientistas registaram a actividade neuronal em zonas específicas dos cérebros dos ratinhos. Foram monitorizadas, mais exactamente, duas estruturas que funcionam em circuito: o córtex motor e os gânglios basais dorsais. Ao longo de três dias, os roedores foram observados enquanto faziam um determinado exercício físico (ver caixa). O trabalho evidenciou a existência de certos circuitos do cérebro que, durante as fases rápida e lenta da aprendizagem motora, sofrem modulações na sua actividade e conectividade neuronal. "Os gânglios basais dorsais estão envolvidos precisamente na aprendizagem de hábitos e tarefas motoras, bem como na noção de tempo. O córtex motor recebe indirectamente a informação vinda dos gânglios e participa na aprendizagem motora e na execução dos movimentos, mas também envia mensagens de volta para os gânglios, proporcionando assim um 'feedback' sobre o que está a acontecer. Eles trabalham como um circuito durante todas as fases de aprendizagem motora, mas há alturas em que os processo de plasticidade são similares em ambos e, por outro lado, há alturas em que cada estrutura aperfeiçoa diferentes partes do movimento", explica Rui Costa, autor deste trabalho, publicado na revista "Current Biology", em conjunto com Nicolelis e Dana Cohen.
Em relação à aprendizagem motora, estudos anteriores já haviam revelado mudanças na actividade e na conectividade neuronal em várias áreas do cérebro - o córtex motor e os gânglios basais dorsais, por exemplo. Só que ainda estava por explicar a natureza e a dinâmica desta plasticidade neuronal durante a aprendizagem motora. A equipa da Universidade de Duke verificou nesta experiência que, de facto, são díspares os fenómenos de plasticidade registados na fase rápida e lenta de aprendizagem motora.
Público - 27/07/2004 - POR ANDRÉIA AZEVEDO SOARES

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