segunda-feira, 29 de março de 2010

*Memória e aprendizagem - FILME

*Processos de memória

A codificação refere-se ao modo como uma pessoa transforma a entrada de uma informação física e sensorial em uma espécie de representação que pode ser colocada na memória.
O armazenamento refere-se à maneira como a pessoa mantém a informação codificada na memória.
A recuperação refere-se ao modo como a pessoa obtém acesso à informação armazenada na memória.
Estes processos interagem reciprocamente e são interdependentes.
Por exemplo, ao tentar codificar a informação no texto apresentado, você pode ter achado complicado para codificar, dificultando também o armazenamento e a recuperação da informação. Entretanto um rótulo verbal pode facilitar a codificação e, por conseguinte, o armazenamento e a recuperação. A maioria das pessoas aceita melhor o trecho se lhes for dado seu título “Lavagem de roupas”.

ARMAZENAMENTO DA INFORMAÇÃO/TRANFÊRENCIA DA INFORMAÇÃO

Segundo a Teoria da Interferência, o esquecimento ocorre porque uma nova informação interfere na antiga e finalmente a desloca, na MCP;
Há pelo menos dois tipos de interferência que aparecem na teoria e na pesquisa psicológica: a interferência retroactiva (causada pela actividade que ocorre depois que a pessoa aprende alguma coisa, mas antes de ela ser solicitada a evocar essa coisa) e a interferência proactiva (quando o conteúdo interferente atua antes, não depois da aprendizagem do conteúdo a ser lembrado);
Segundo a Teoria da Deterioração, a informação é esquecida porque desaparece gradualmente, com o passar do tempo, e não porque ela foi deslocada por outra informação.
Consolidação: Um método para realizar a transferência da informação no qual deliberadamente presta-se atenção à informação a fim de compreendê-la. Faz-se isto integrando os novos dados aos esquemas já existentes da informação armazenada. Muito utilizado na transferência para a MLP.
Repetição: Método através do qual é feita uma recitação repetida de um item. A repetição pode ser aberta quando a recitação é em voz alta e óbvia a qualquer pessoa que estiver observando, ou oculta quando a recitação é silenciosa e escondida;
Herman Ebbinghauss (1885), apoiado mais tarde por Harry Bahrick e Elizabeth Phelps (1987) observaram que as pessoas tendem a lembrar-se da informação por mais tempo quando a adquirem pela prática distribuída (aprendizagem na qual várias sessões são espaçadas ao longo do tempo) do que na prática aglomerada (com sessões apinhadas, todas juntas). Quanto maior a distribuição das experiências de aprendizagem ao longo do tempo, mais elas as lembravam durante longos períodos de tempo;

Processos de Construção da Memória

Frederico Bartlett (1932) reconheceu a necessidade de estudar-se a recuperação da memória para textos associados e não apenas para séries não-relacionadas de dígitos;
Ele sugeriu que, nestes casos, as pessoas trazem para uma tarefa de memória seus esquemas já existentes que às vezes levam à interferência ou à distorção e, outras vezes, à intensificação dos processos de memória;
Experimentos também mostraram uma grande susceptibilidade das pessoas para a distorção em relatos de testemunho ocular, evidenciando que elas podem facilmente ser levadas a construir uma memória que é diferente do que realmente aconteceu;
Outros favores que interferem na eficácia da recuperação da memória são: (a) a existência de esquemas mais elaborados em especialistas quanto à sua área de actuação, (b) clareza percebida da experiência e seu contexto, (c) a intensidade emocional de uma experiência.

*Modelos de Memória

O Primeiro Modelo:
Em 1965, Nancy Waugh e Donald Norman propuseram um modelo distinguindo duas estruturas de memórias:
Memória primária: nela são mantidas as informações temporárias comumente em uso.
Memória secundária: nela são mantidas permanentemente as informações ou, no mínimo, por um longo período de tempo.
O Modelo Tradicional:
Em 1968, Richard Atkinson e Richard Shiffin apresentaram um metáfora alternativa que conceituava a memória em termos de três armazenamentos de memória: armazenamento sensorial, armazenamento de curto prazo e armazenamento de longo prazo.
Eles distinguiam as estruturas que denominavam armazenamentos , das informações armazenadas nas estruturas, às quais denominavam memória .
Actualmente os psicólogos cognitivos descrevem usualmente os três armazenamentos como memória sensorial (MS), memória de curto prazo(MCP) e memória de longo prazo (MLP).

O MODELO TRADICIONAL

Memória Sensorial (MS): Capaz de estocar quantidades relativamente limitadas de informação por períodos de tempo muito breves. Repositório inicial das muitas informações que, posteriormente ingressam na memória de curto prazo e na memória de longo prazo.
Memória de Curto Prazo (MCP): Capaz de armazenar informações por períodos de tempo um pouco mais longos, mas também de capacidade relativamente limitada.
Memória de Longo Prazo (MLP): Capaz de estocar informações durante períodos de tempo muito longos, talvez até indefinidamente.

*Tipos de memória

O tempo que uma recordação perdura é muito variável, isto é, não retemos todas as informações que recebemos durante o mesmo tempo. Portanto, esta característica sugere uma classificação da memória quanto à duração. Perante isto temos dois tipos de memória, memória a curto prazo e memória a longo prazo.
Memória a curto prazo: é uma memória que retém a informação durante um período limitado de tempo, podendo ser esquecida ou passar para a memória a longo prazo (que explicaremos mais à frente). Neste tipo de memória, distinguem-se duas componentes: a memória imediata e a memória de trabalho. Passando a explicar cada uma das componentes, a primeira diz respeito ao material recebido que fica retido durante uma fracção de tempo – cerca de 30 segundos. Por outro lado, a memória de trabalho mantém a informação enquanto ela nos é útil, por exemplo, um número de telefone que não tivemos oportunidade de registar por escrito. Sendo assim “A memória de trabalho reporta-se às actividades mentais que não têm por objectivo a memorização de informações, mas que, apesar disso, implicam uma certa memorização para se poderem aplicar de modo eficaz.”
Memória a longo prazo: é um tipo de memória que é alimentada pelos materiais da memória a curto prazo que são codificados em símbolos, esta mantém os materiais durante horas, meses ou toda a vida. Distinguem-se, geralmente, dois tipos de memória a longo prazo que dependem de estruturas cerebrais diferentes: memória declarativa e memória não declarativa. Enquanto que a última, é uma memória automática que mantém as informações subjacentes à questão “Como?”, por exemplo: como andar de bicicleta, como lavar os dentes, como pentear o cabelo, etc.Quando desenvolvemos estes comportamentos, não temos consciência de que são capacidades que dependem da memória. A memória declarativa, por seu lado, implica a consciência do passado, do tempo, reportando-se a acontecimentos, factos, pessoas. Distinguem-se, neste tipo de memória, geralmente, dois subsistemas: a memória episódica que envolve recordações, como os rostos de familiares, amigos e ídolos, músicas preferida, etc. Portanto, esta memória é pessoal que manifesta uma relação íntima entre quem recorda e o que se recorda. A outra é a memória semântica que se refere ao conhecimento geral sobre o mundo (leis da química, factos históricos, etc.), neste tipo de memória, não há localização no tempo, não estando ligado a nenhum conhecimento ou acção específicos, nem referenciado a nenhum facto específico do passado.

Ligação da memória a outros processos cognitivos:

A aprendizagem está intimamente ligada à memória, pois aquilo que aprendemos tem de ser conservado. “Não podemos aprender sem recordar, nem recordar sem aprender.” Os conhecimentos e as vivências anteriores, que eu recordo, permitem-me seleccionar, organizar e reconhecer as informações do presente.
A aprendizagem define-se como uma mudança relativamente estável e duradoura do comportamento e do conhecimento, que está relacionada com a experiência, com a descoberta... É através das experiências que aprendemos novas atitudes, novas competências, novos medos, novos conceitos, novas formas de resolver os problemas. Pela aprendizagem adquirimos saberes e desenvolvemos capacidades, ocorrendo uma mudança pessoal.
O processo de aprendizagem pressupõe comportamentos perceptivos, motores, intelectuais, emocionais e sociais. Inerente a este processo está a memória, pois só ela nos permite reter o que aprendemos para resolver situações presentes e projectar o futuro.
O termo memória provém do grego, de mnémon, que significa ‘que se recorda’. Aristóteles refere-se à memória como a faculdade de conservar o passado. A este propósito, George Gusdorf afirma que “a memória constitui uma espécie de retrato do que somos, composto com os traços do que fomos”. De facto, é a memória que nos dá o sentimento de identidade pessoal: as experiências vividas e acumuladas constituem o nosso património pessoal que nos distingue de todos os outros e nos torna únicos.

*POR QUE NÃO MANTEMOS SEMPRE O MESMO RITMO DE APRENDIZAGEM?

Quando estamos a aprender a andar de bicicleta, costumamos ter melhorias significativas na fase inicial da aprendizagem e, nos dias seguintes, avanços mais modestos. O mesmo acontece com a condução automóvel: há ganhos formidáveis na forma como conduzimos um carro nas primeiras semanas, mas nos anos subsequentes não evoluímos nesse ritmo. Por que razão isto acontece? Um grupo de investigadores do Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke - do qual faz parte o cientista português Rui Costa -, nos Estados Unidos, publicou há pouco tempo um estudo que aponta uma explicação para este mistério: os neurónios que "ganham" diferentes funções durante as duas fases de aprendizagem motora são, na realidade, regidos por processos neuronais distintos.
Um dos dotes especiais do nosso sistema nervoso é sua capacidade de gerir estrategicamente os recursos. É por isso, por exemplo, que os cegos congénitos costumam ouvir excepcionalmente bem: o cérebro reorganiza-se e canaliza determinadas conexões, que de outra forma seriam perdidas, para o processamento de sons. O exército de neurónios torna-se, assim, muito polivalente. As estruturas neuronais podem estabelecer diferentes conexões entre si. Se houver a baixa de um soldado, por exemplo, um outro militar pode aprender a função que o colega exercia antes. Ou então estabelecer novas alianças.
Esta comparação pode não ser muito rigorosa em termos científicos, mas ajuda a compreender a chamada plasticidade neuronais. É que, perante situações que envolvem a aprendizagem e a memória, o nosso cérebro opera mudanças nas redes neuronais. Por outras palavras, reorganiza as células nervosas em função dos processos desenvolvidos pelos circuitos cerebrais. Indivíduos que tocam piano ou que, uma vez cegos, começam a ler em Braille, por exemplo, passam a ter uma maior representação do córtex motor na ponta dos dedos.
Estas mudanças que ocorrem nos neurónios são, de alguma forma, um mecanismo que pode permitir a adaptação ao ambiente e a recuperação de lesões nervosas. Quando dizemos que os nossos neurónios não se reproduzem, muitas vezes não nos lembramos que, apesar da maior partes destas células do tecido nervoso não terem a propriedade de se multiplicar, elas são capazes de assumir novas funções e participar em diferentes circuitos.
A plasticidade neuronal que ocorre durante a prática de uma actividade motora - como escrever no computador ou tocar um instrumento musical - não se limita a um fenómeno único e linear. Esta investigação liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, o responsável pelo Laboratório de Neurobiologia da Universidade de Duke, revela que a aprendizagem motora pressupõe uma fase rápida seguida de outra lenta e que, em cada uma destas etapas, decorrem plasticidades neuronais distintas.
Os cientistas registaram a actividade neuronal em zonas específicas dos cérebros dos ratinhos. Foram monitorizadas, mais exactamente, duas estruturas que funcionam em circuito: o córtex motor e os gânglios basais dorsais. Ao longo de três dias, os roedores foram observados enquanto faziam um determinado exercício físico (ver caixa). O trabalho evidenciou a existência de certos circuitos do cérebro que, durante as fases rápida e lenta da aprendizagem motora, sofrem modulações na sua actividade e conectividade neuronal. "Os gânglios basais dorsais estão envolvidos precisamente na aprendizagem de hábitos e tarefas motoras, bem como na noção de tempo. O córtex motor recebe indirectamente a informação vinda dos gânglios e participa na aprendizagem motora e na execução dos movimentos, mas também envia mensagens de volta para os gânglios, proporcionando assim um 'feedback' sobre o que está a acontecer. Eles trabalham como um circuito durante todas as fases de aprendizagem motora, mas há alturas em que os processo de plasticidade são similares em ambos e, por outro lado, há alturas em que cada estrutura aperfeiçoa diferentes partes do movimento", explica Rui Costa, autor deste trabalho, publicado na revista "Current Biology", em conjunto com Nicolelis e Dana Cohen.
Em relação à aprendizagem motora, estudos anteriores já haviam revelado mudanças na actividade e na conectividade neuronal em várias áreas do cérebro - o córtex motor e os gânglios basais dorsais, por exemplo. Só que ainda estava por explicar a natureza e a dinâmica desta plasticidade neuronal durante a aprendizagem motora. A equipa da Universidade de Duke verificou nesta experiência que, de facto, são díspares os fenómenos de plasticidade registados na fase rápida e lenta de aprendizagem motora.
Público - 27/07/2004 - POR ANDRÉIA AZEVEDO SOARES

*Tipos ou sistemas de memória

Ainda não sabemos exactamente quantos sistemas de memória existem e como devem ser designados. No entanto, algumas ideias gerais parecem estar assentes. Sabemos que a memória depende de alterações nos neurónios e nas suas ligações. Sabemos, também, que os sistemas de memória já identificados dependem de estruturas específicas do cérebro, de mecanismos próprios de codificação, de estratégias e de regras internas.

Um número de telefone pode apagar-se facilmente da nossa mente, mas uma recordação da infância pode manter-se para sempre. Assim se manifestam dois grandes tipos de memória, a breve, designada por memória de curto prazo, e a duradoura, designada por memória de longo prazo.

A memória de curto prazo envolve os processos que retêm a informação temporariamente até ser esquecida ou guardada num armazém de longo prazo tornando-se potencialmente permanente.

Apresenta duas componentes, a memória imediata e a de trabalho. A memória imediata retém a informação quando é recebida, tornando-se o centro da nossa atenção em determinado momento. Ocupa o pensamento durante mais ou menos 30 segundos e tem capacidade para mais ou menos sete ou oito itens. Mas este tempo pode alargar-se se o conteúdo for repetido. Lembremo-nos de quando éramos pequenos e a nossa mãe nos pedia que fôssemos comprar alguma coisa. Íamos pela rua fora a repetir mentalmente ou a cantarolar «cinco pães, um pacote de leite, um quilo de limões e o jornal». Esta é a memória de trabalho.

A memória de trabalho é uma espécie de lista de compras que é esquecida mal acabamos de a utilizar. Da mesma forma, um número de telefone é passível de ser mantido na memória durante um pequeno período de tempo, utilizando a mesma estratégia. E para isso até o decompomos em conjunto de dois ou três elementos. Em vez de repetirmos tudo de seguida 214295637, utilizamos três grupos de algarismos 214 295 637. Agora imagine-se alguém que tinha no seu atendedor de chamadas a seguinte mensagem: «Acabou de ligar para o duzentos e vinte e oito milhões, cento e cinquenta e três mil, novecentos e quarenta e dois. Deixe a sua mensagem após o sinal ou, no caso de ter urgência, ligue para o novecentos e trinta e três milhões, setecentos e vinte e um mil, e sessenta». Seria extremamente difícil não só compreender o número como retê-lo.

A memória imediata e de trabalho operam em paralelo e são os dois componentes principais da memória de curto prazo. Mas existem outros que se manifestam posteriormente até ao estabelecimento de uma memória estável. Permitem manter a informação de minutos a uma hora ou mesmo mais, bem para além do momento em que ela está a ser activamente retida. Por exemplo, "amanhã não me posso esquecer de levar o livro para emprestar à Ana". Após a tarefa cumprida, no dia seguinte, a memória desaparece.

A memória de longo prazo envolve os processos que retêm recordações como episódios da nossa vida, rostos de pessoas conhecidas ou conceitos.

Tanto a memória de curto prazo como a de longo prazo provocam alterações na estrutura e nas ligações das células nervosas. As mesmas ligações entre neurónios podem participar nos dois tipos de armazenamento. Existe um mecanismo semelhante a um "transformador molecular" que converte a memória de curto prazo em memória de longo prazo.

Na memória de longo prazo podemos identificar dois subsistemas diferentes, a memória declarativa e a memória não declarativa. Elas dependem de sistemas cerebrais diferentes.

A memória não declarativa, também chamada implícita ou "sem registo», é uma memória automática e reflexa, que guarda as Informações de "saber como fazer as coisas". As experiências são convertidas em processos que alteram a natureza do organismo e as suas competências.

Não é uma recordação, mas uma alteração de comportamento, tal como esquiar, ler um mapa ou andar de bicicleta. É inconsciente embora possa ser acompanhada de algumas recordações, «espera lá, como é que costumo fazer isto?». Podemos aprender a fazer qualquer coisa e a seguir lembrarmo-nos de alguns elementos da mesma como, por exemplo, imaginarmo-nos a executá-Ia. No entanto, a capacidade de desempenhar a competência parece ser independente de recordações conscientes.

A memória não declarativa envolve processos de aprendizagem simples e reflexos como hábitos e condicionamentos. Por exemplo, quando aprendemos a andar de bicicleta é provável prestarmos muita atenção às manobras da roda da frente, à posição do guiador e ao acto de pedalar, primeiro com o pé esquerdo e depois com o direito. Mas quando adquirimos prática, o acto de andar de bicicleta é guardado como memória não declarativa, conduzimos e pedalamos automaticamente. Não é necessário evocar conscientemente que é preciso pressionar os pedais com o pé direito e depois com o esquerdo. Estas memórias mantêm-se intactas durante anos ou décadas.

A memória não declarativa permite-nos conservar procedimentos para actuarmos no mundo. À medida que vamos crescendo, aprendemos a dizer «por favor» e «obrigado», a lavar os dentes antes de irmos para a cama e a executar uma série de outros comportamentos que resultam da prática. Adquirimos muitos desses hábitos nos primeiros anos de vida sem qualquer esforço óbvio e quase sem repararmos que a aprendizagem está a decorrer. Por exemplo, quando aprendemos a ler, passamos com hesitação de palavra para palavra mas, depois de alguma prática, conseguimos ler rapidamente, movimentando os olhos para um ponto diferente quatro vezes por segundo, compreendendo mais de trezentas palavras por minuto.

A memória declarativa, também chamada explícita ou «com registo», é uma memória consciente do passado, um conjunto de Informações sobre pessoas, lugares, situações, acontecimentos ou factos, que guarda informações do «saber que». É a ela que habitualmente nos referimos quando usamos o termo «memória». É uma memória consciente do nome da nossa avó, do primeiro rei de Portugal, dos planetas do sistema solar, da conversa desta manhã.

Lembremo-nos do nome de um dos nossos amigos. Lembremo-nos do rosto dessa pessoa, do som da sua voz e da maneira de falar. Depois, lembremo-nos de um acontecimento particular em que tenha participado, uma conversa importante, uma viagem ou uma festa especial. Estamos a recriar o episódio, na nossa imaginação, deslocando-nos para o contexto, espacial e temporal, em que aconteceu. Parece surpreendente a facilidade com que evocamos a cena e o que se passou. Curiosamente, ao realizarmos um exercício deste tipo não precisamos de treino nem de instruções. Recordar de forma vivida o passado é algo que todos fazemos diariamente, sem grande esforço. A memória declarativa é a memória de todos os conhecimentos que podem ser «declarados» sob a forma de proposições verbais ou de imagens mentais. Ela é imperfeita, passível de inexactidões e de distorções, mas também pode ser fiel, especialmente quando guarda conhecimentos gerais sobre o mundo. Podemos confundir o nome de uma pessoa ou uma data de aniversário, mas não confundimos um elefante com uma baleia.

Muitas actividades requerem os três tipos de memória. Vejamos o jogo do ténis. Conhecer as regras ou quantos sets são precisos para ganhar uma partida envolve a memória semântica. Lembrar o lado que foi o último a servir, requer a memória episódica. Saber lançar a bola ou fazer um serviço envolve a memória não declarativa.


Processos básicos de memória (Momentos essenciais)
• Recepção e codificação da informação
• Armazenamento da informação
• Recuperação da informação
• Esquecimento da informação


O matemático John Griffith estimou que, num tempo médio de vida, uma pessoa armazena o equivalente a quinhentas vezes mais informação do que aquela que se pode encontrar em todos os volumes da Enciclopédia Britânica. John von Newmann, um dos pais dos computadores, calculou que, em média, as recordações memorizadas durante toda a vida humana deveriam atingir 2,8 x 1020 unidades elementares de informação. Correspondentes a vinte e oito milhares de milhão de bits e cerca de trezentos milhões de gigabites. Haverá espaço no nosso cérebro para este incrível volume de recordações? Em termos teóricos, o nosso cérebro não está mal equipado, cem mil milhões de neurónios, cada um dos quais com centenas ou milhares de possíveis contactos nervosos com outros neurónios, constitui uma rede nervosa de notável potência. A capacidade da memória humana depende de operações muito complexas.


A primeira operação de tratamento da informação é a recepção e codificação. À medida que chega, a informação sensorial é codificada de forma a poder ser comunicada ao cérebro.



Podem ser utilizados vários códigos. Por exemplo, pensemos na frase "Hoje está sol". Se codificarmos o som das palavras, tal como foram ditas, estamos a usar um código acústico e a informação é representada na memória como uma sequência de sons. Se codificarmos a imagem das letras, tal como estão organizadas em signos, estamos a usar um código visual e a informação é representada na memória como uma imagem. Finalmente, se codificarmos o facto "estar sol", estamos a usar um código semântico, e a informação é representada na nossa memória pelo seu significado. O tipo de código usado pode influenciar o que é lembrado.

Quando a codificação envolve bastante trabalho, ou seja, quando a informação é processada a um nível profundo, lembramo-nos dela mais facilmente.

Quando estamos a estudar um assunto, quanto mais gostarmos dele, quanto mais necessidade, desejo ou curiosidade tivermos, quanto mais nos implicarmos nessa tarefa, melhor será a sua aprendizagem. Mesmo quando a memória de qualquer facto pareceu não exigir esforço, o processo não é assim automático. Determinadas situações ou factos são recordados porque nos interessam realmente, mesmo sem termos consciência disso. Lembramo-nos porque desencadeamos espontaneamente operações de codificação profundas e elaboradas. Se não estivermos a fazer um esforço deliberado, são os nossos interesses e preferências que direccionam a atenção e influenciam a quantidade e a qualidade da codificação.


O segundo processo é o armazenamento. Trata-se da manutenção da informação ao longo do tempo, muitas vezes durante muito tempo.



Recordar umas férias da infância depende da capacidade de armazenamento da nossa memória. De que forma é que a informação codificada se mantém na memória? Não existe um sítio específico no cérebro onde se arrumam as recordações. No entanto, a informação não está espalhada por todo o lado. Ainda não é possível localizar os pontos onde a representação de um determinado objecto está armazenada. Mas as novas técnicas de recolha de imagens cerebrais têm mostrado que várias regiões cerebrais estão envolvidas no registo de um único acontecimento, e que cada região contribui de forma diferente para o todo. As alterações no cérebro, resultado da codificação e do registo da experiência, produzem traços mnésicos também chamados engramas.

A informação nova vai modificar um conjunto complexo de processos bioquímicos e cada informação, engrama, é representada por uma configuração particular da actividade nervosa. Num primeiro momento, o engrama é dinâmico e produzem-se mudanças nas ligações neuronais. Depois, torna-se estrutural, permanente, e capaz de reproduzir a actividade nervosa necessária à actualização da informação. Por isso, a memória não se estabelece num momento. Pelo contrário, leva um tempo considerável a desenvolver a sua forma permanente. O processo de fixação requer várias etapas e até estar completo, a memória mantém-se vulnerável a perturbações. Grande parte deste processo completa-se durante as primeiras horas de aprendizagem. Mas a estabilização estende-se muito para além deste ponto e envolve alterações contínuas na organização da memória de longo prazo.


O terceiro processo é a recuperação. Ocorre quando localizamos a informação na memória e a trazemos à consciência.


Recuperar informações armazenadas, como um endereço ou um número de telefone, é normalmente tão rápido e fácil que parece automático. Só quando tentamos recordar outros tipos de informação, tal como a resposta a uma pergunta que conhecemos mas que não conseguimos evocar, tomamos consciência do processo de busca. O processo de recuperação inclui a evocação e o reconhecimento. Quando não somos capazes de nos lembrar do nome de alguém, mas sabemos que conhecemos aquela cara, está em jogo este processo. Analisamos o estímulo, a cara, e procuramos na memória o nome que lhe está associado. Primeiro temos que saber se conhecemos a cara ou não, reconhecimento, e depois procuramos o tal nome, evocação. Quando estamos a responder a itens de escolha múltipla, estamos perante informação que identificamos e comparamos com a que temos guardada. É uma tarefa de reconhecimento.

A recuperação é ajudada por pistas, as alternativas. Quando estamos a responder a itens de resposta aberta, temos que procurar a informação necessária, a partir de estímulos gerais. É uma tarefa de evocação. Temos de recuperar a informação sem muita ajuda. O reconhecimento tende a ser mais fácil do que a evocação.


E como a nossa memória não é um gravador de som nem de imagem, os erros podem introduzir-se em qualquer momento, durante a codificação, o armazenamento ou a recuperação. Não sabemos ainda se o cérebro tem limites para armazenar informação. Mas sabemos que algumas situações, como a fadiga ou o aborrecimento, podem dificultar todo este processo. A última operação que falta neste esquema é o esquecimento e dele nos ocuparemos a seguir.


Memória e esquecimento



Esquecimento
Florbela Espanca


Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tacteio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era eu meu já me não lembro...
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos...!


Texto extraído do livro "Sonetos", Bertrand Brasil - Rio de Janeiro, 2002, pág. 181.



O esquecimento é uma condição da memória

Os mais velhos têm frequentemente a sensação de que a sua memória está a abarrotar de recordações e que às vezes é difícil lembrarem-se daquilo que é útil e deixar de lado aquilo que, pelo contrário, parece "inútil". Mas independentemente da idade, a maior parte das pessoas considera que a sua memória não funciona tal como gostariam.

O esquecimento é normalmente sentido como uma espécie de "patologia" da memória. Porém, todas as pessoas, dia após dia, sabem o seu nome, fazem o jantar, lêem, entram no seu carro e conduzem no meio do trânsito travando, acelerando, accionando as mudanças, sem acusarem qualquer problema de memória.

O esquecimento é a incapacidade, provisória ou definitiva, de aceder conscientemente a uma informação adquirida ou a uma experiência vivida no passado mais imediato ou mais longínquo.


No dia seguinte a vermos um filme conseguimos contar o argumento e a acção de forma detalhada. No entanto, um ano mais tarde, não nos lembramos senão de um esboço do filme e talvez de fragmentos de algumas cenas.

À primeira vista, o esquecimento parece ser uma desvantagem. Não seria melhor recordar tudo o que lemos, nunca nos esquecermos de onde deixámos as chaves ou os óculos, guardarmos todas as situações que consideramos importantes? Esta questão não tem ainda uma resposta clara, mas parece que, sem esquecimento, a nossa capacidade de adaptação estaria seriamente ameaçada. O esquecimento é consequência do funcionamento da memória e, longe de ser uma limitação, é uma necessidade. Os sistemas cognitivos artificiais não esquecem nada, o que significa que não são capazes de modificar significativamente a informação em função da sua experiência do mundo. Podemos compreender este facto se analisarmos o que se passa com pessoas que não conseguem esquecer.


Uma pergunta que parece importante é «Esquecemos realmente a informação, ela desaparece do nosso cérebro, ou perdemos a capacidade de nos lembrar dela?»

O esquecimento repressivo (motivação inconsciente)

As amnésias psicopatológicas foram identificadas no fim do século XIX, tendo sido Freud um dos investigadores que se interessaram por este assunto. Elas manifestam--se como um esquecimento defensivo. A pessoa evita a recordação consciente de um acontecimento doloroso do passado, exercendo, inconscientemente, uma repressão sobre memórias penosas. Freud considerava que situações, por exemplo da infância,
que nos tenham perturbado e produzido angústia podem ser «recalcadas», guardadas de forma a dificilmente termos acesso a elas. O esquecimento destas situações seria psicologicamente motivado. Existe um mecanismo de defesa, o recalcamento, que nos protege de recordar factos que podem ser emocionalmente muito perturbadores. Estas memórias seriam guardadas no inconsciente por serem demasiado ameaçadoras se lembradas.

O esquecimento provocado

Este tipo de esquecimento pode ser consequência da ingestão de medicação, de drogas ou de álcool. Uma das personagens de Shakespeare, Lady Macbeth, que precisa de agir em segredo, decide recorrer às bem conhecidas propriedades do álcool, e afirma: «De tal forma hei-de embrutecer os camareiros no vinho, que neles, a memória guardiã do cérebro, será fumo, e a sede da razão, um simples alambique». O álcool, como é sabido, não reduz apenas o tempo de reacção, o sentido crítico, a ansiedade, mas age também sobre a memória. E Shakespeare que, ao que parece, se embriagava frequentemente, observa que o vinho pode alterar a memória por um breve período de tempo. Uma ingestão continuada de álcool em grandes quantidades tem consequências bem conhecidas de perda de concentração, problemas de equilíbrio e deficiente sentido de coordenação. Começa por destruir células do fígado e de partes do cérebro e pode conduzir a uma forma de amnésia grave e irreversível, conhecida como Síndrome de Korsakoff, devida à falta de tiamina, uma vitamina do complexo B, que no alcoólico não é suficientemente absorvida.

Depressão

Alzheimer

Intoxicações

AVC




O efeito de drogas que criam dependência é complexo e, em geral, prejudicial para a memória. Existem fármacos que penetram nas células do cérebro para tratar várias doenças como a epilepsia, a doença de Parkinson ou estados depressivos. Tomados nas doses recomendadas, não afectam a memória de modo grave. A excepção são os chamados «tranquilizantes», que podem provocar esquecimento ou mesmo amnésia quando tomados sem vigilância médica ou em doses excessivas. Toda a medicação eficaz tem inevitavelmente efeitos colaterais. As vantagens têm de ser confrontadas com os riscos e isso só o médico pode avaliar.

O esquecimento provocado também pode ser consequência de doenças e lesões cerebrais. Traumatismos, doenças do foro neurológico, acidentes vasculares cerebrais, tumores ou intervenções cirúrgicas, podem produzir lesões directas no suporte material da memória, quer dizer, no cérebro. Por exemplo, a doença de Alzheimer é uma degradação mental progressiva, que ocorre normalmente em pessoas de idade avançada. Os primeiros sintomas são distúrbios da memória que se tornam progressivamente mais graves até à incapacidade de se reconhecer a si próprio. Nestes doentes, a memória autobiográfica parece ser a mais afectada. Os estados de stress e de depressão, ou os choques emocionais fortes também podem causar amnésias.

O esquecimento regressivo

Com a idade, muitas pessoas podem manifestar dificuldades de memória quer ao nível de aprendizagens novas, que na evocação de nomes de pessoas conhecidas ou de acontecimentos recentes. Estas perturbações são muito diferentes das referidas anteriormente, mesmo se resultarem da degenerescência progressiva dos tecidos celulares cerebrais devida à idade. No entanto, com o aumento da esperança de vida, os progressos da medicina, a vontade das pessoas mais velhas de continuarem a trabalhar e a assumir responsabilidades sociais, os efeitos negativos da senescência são diminuídos. As investigações mostram que a capacidade da memória imediata muda relativamente pouco com a idade, mas as tarefas de atenção partilhada ou a memória de trabalho são mais afectadas. É importante salientar que isto depende da ocupação da pessoa e das capacidades cognitivas que continua ou não a exercer.


O esquecimento vulgar (interferência de novas aprendizagens)

• Inibição proactiva – Deterioração dos conteúdos mnésicos provocada pela interferência de recordações passadas.
• Inibição rectroactiva – Deterioração dos conteúdos mnésicos provocada pela interferência de novas informações.

Pode acontecer que a memória esteja lá e nós não a consigamos evocar por falta de pistas. Mas também pode acontecer que os traços mnésicos não passem para a memória de longo prazo pela capacidade limitada desta memória ou porque não foram transferidos. O carácter sucessivo de actividades mais ou menos similares efectuadas pela pessoa pode ser responsável pelo esquecimento. Mas, hoje em dia, aquilo que a investigação demonstra como sendo mais provável é que, como as experiências novas implicam sempre a reorganização das representações da memória, ou seja, dos circuitos da informação nas redes de neurónios, os nossos registos da experiência vão-se alterando, enfraquecendo e modificando, produzindo-se neste processo o esquecimento. As memórias não declarativas tendem a ser mais estáveis do que as declarativas.









Memória, memórias

A memória permite-nos saber quem somos


Somos quem somos porque conseguimos lembrar-nos daquilo em que pensamos. Cada pensamento que temos, cada palavra que dizemos, cada acção que levamos a cabo, na verdade, o sentido de nós mesmos e o sentido de ligação com outros, deve-se à nossa memória, à capacidade de o nosso cérebro registar e armazenar as nossas experiências. A memória é a cola que aglutina a nossa vida mental, a base que sustenta a nossa história pessoal e que possibilita o crescimento e a mudança ao longo da vida. Quando se perde a memória perde-se a capacidade de recriar o nosso passado e, em consequência, perde-se a nossa ligação connosco próprios e com os outros.

Adaptado de L. Squire e E. Kandel, Memória. Da mente às moléculas, 2002


A identidade pessoal

Já sabemos que à medida que vamos adquirindo informação o nosso cérebro se modifica. Uma vez que todos somos educados em ambientes de certo modo diferentes e temos experiências também diferentes, a arquitectura do cérebro de cada um de nós é alterada de forma única. Mesmo os gémeos idênticos, que partilham os mesmos genes, não têm cérebros iguais, pois também eles têm experiências de vida algo diferentes. É evidente que cada um de nós tem um conjunto de estruturas cerebrais e um padrão comum de ligações entre os neurónios baseados no esquema da nossa espécie. Este esquema básico do cérebro humano é igual para todos os indivíduos. Mas os pormenores do esquema variam de pessoa para pessoa. Por isso, cada um de nós é único, como única é a experiência de vida registada na memória.

A maior parte daquilo que sabemos sobre o mundo não existe na nossa mente à nascença, sendo adquirido através da experiência e guardado na memória. Somos quem somos, em grande parte, devido ao que aprendemos e lembramos. Quando recordamos, utilizamos uma representação de nós próprios para nós próprios e para aqueles que nos rodeiam.


Somos a forma como nos representamos nas nossas memórias, a forma como nos definimos como pessoas e como membros de grupos através das nossas memórias, a forma como ordenamos e estruturamos as ideias nas nossas memórias e a forma como transmitimos essas memórias a outros. Somos aquilo de que nos lembramos. A perda da memória conduz à perda do sentimento de si, à perda da nossa história de vida e à perda de vínculos com outros seres humanos.



Assim, a memória permite ordenar e dar sentido às recordações significativas de uma vida. A memória organiza o processo contínuo de construção da nossa identidade, através do qual nos tornámos únicos, do ponto de vista biológico e cultural. O nosso processo de construção não tem fim. É sempre um processo de reconstrução.

Quando somos crianças, esperamos que os pais e os avós nos falem de como éramos em bebés, nos contem histórias acerca de nós, nos digam quem somos. As histórias contadas às crianças contribuem para lhes dizer quem são elas e quem são os outros, o que é o mundo, de onde vem e para onde poderá ir. A criança, quando pede ao avô para lhe contar uma história, procura não só a dimensão fantástica que o conto encerra, como também a sua própria identidade.

Fotografar as crianças é fazer-se historiador da sua infância e preparar-lhes um legado de imagens e de memórias do que foram. O álbum de retratos de uma família exprime uma recordação social. As imagens do passado, dispostas por ordem cronológica, evocam os acontecimentos importantes. São também factores de relação porque vão buscar ao passado a confirmação da sua unidade presente. É por isso que não há nada que estabeleça mais a confiança do que um álbum de família. Todas as aventuras singulares da recordação individual se esbatem e o passado comum emerge. A memória é um mosaico em que se alternam imagens e interpretações da realidade, factos e opiniões, significados e valores, sentido do passado e antecipação do futuro. Nesta perspectiva, a memória dos mais velhos serve de ponte entre o passado e o futuro, assegura a continuidade histórica e, não menos importante, leva-nos a reflectir acerca do significado individual e colectivo das recordações.


A memória social

A capacidade de evocação e de reconstrução de episódios do passado é importante não apenas para cada um de nós como para a colectividade. Histórias e memórias individuais e colectivas estão intimamente relacionadas.

Por isso, a memória não é apenas um registo da experiência pessoal. Os seres humanos têm capacidade para comunicar aos outros o que aprenderam. Ao fazê-lo, criam culturas que podem ser transmitidas de geração em geração. A memória é estruturada pela linguagem, pela observação, por ideias assumidas colectivamente e por experiências partilhadas com os outros. Tudo isto constrói a memória social.


A memória social guarda acontecimentos e experiências passadas, reais ou imaginárias. Com efeito, a experiência passada, recordada, e as imagens partilhadas do passado histórico são recordações importantes para a constituição dos grupos sociais no presente.



A memória não se divide em dois compartimentos um pessoal e outro social. Algumas das nossas recordações parecem na verdade ser mais privadas e pessoais do que outras. No entanto, esta distinção entre memória pessoal e memória social é relativa. As nossas recordações estão misturadas e têm ao mesmo tempo um aspecto social e outro pessoal.

A nossa memória estrutura-se em identidades de grupo.

Recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da organização em que estamos inseridos, e assim por diante. Estas recordações são essencialmente memórias de grupo e a memória de uma pessoa só existe na medida em que essa pessoa é um produto único de determinada relação de grupos.

As recordações que partilhamos com outros são aquelas que são relevantes no contexto de um certo grupo social, quer seja estruturado e duradouro (família, por exemplo) ou informal e temporário (um grupo de amigos que frequenta a mesma escola). Os grupos sociais constroem as suas próprias imagens do mundo criando uma versão própria do passado. Na verdade, as nossas recordações pessoais e até a forma como as recordamos são na sua origem, sociais. A memória é um processo complexo que inclui tudo, desde uma sensação mental altamente privada e espontânea, até uma solene cerimónia pública.

A memória colectiva é o que fica da vivência dos grupos, ou o que estes fazem do passado. Nas sociedades sem escrita há especialistas da memória, «homens -memória», narradores e contadores de histórias. Também antigamente se veneravam os velhos porque eles eram guardiães da memória, com prestígio e úteis à comunidade. A memória traduz-se num «comportamento narrativo» com uma função social, porque é uma comunicação ao outro na ausência desse acontecimento. (Sugestão de leitura: “Cão velho entre flores” de Baptista-Bastos)


A memória, paradoxalmente, tem um carácter transitório. Podemos imaginá-Ia como um lugar onde se guardam objectos de valor, adquiridos durante uma vida de árduo trabalho. Mas tratam-se de objectos que não sobrevivem à morte da pessoa e que não podem ser deixados em herança. Para nos defendermos deste carácter transitório inerente à mortalidade da memória, desenvolvemos memórias artificiais. A prótese mais antiga é a escrita, na Antiguidade, sobre tábuas de argila ou de cera e sobre papiro, na Idade Média sobre pergaminho e pele e, mais tarde, sobre papel. Sobre estas superfícies podiam traçar-se desenhos de todo o tipo, caracteres, planos, retratos, mapas. O aparecimento da fotografia, em 1839, proporcionou uma memória artificial que se aperfeiçoou rapidamente e que oferecia a possibilidade de registar imagens em movimento. A conservação do som" um sonho durante séculos, tornou-se realidade graças ao fonógrafo de Edison patenteado em 1877. Hoje em dia, dispomos de numerosas memórias externas para gravar o que registam a vista e o ouvido, cassetes, vídeos, CD, memórias de computador, hologramas. Agora, a imagem e o som podem deslocar-se no tempo, são repetíveis, reproduzíveis, numa escala que parecia impensável há 50 anos.


A amnésia não é só uma perturbação individual. A falta ou perda de memória colectiva dos povos e das nações, voluntária ou involuntária, pode produzir perturbações graves na identidade colectiva. As recordações podem ser manipuladas, consciente ou inconscientemente, pelos interesses, desejos ou censura. Na história da humanidade, a memória colectiva várias vezes foi posta em causa em lutas pelo poder. Apoderar-se da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações dos grupos ou dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva. Por isso a memória colectiva é também um instrumento e um objectivo de poder. Em determinados momentos, a memória social foi alterada, falsificando-se arquivos, textos de História e até material fotográfico.

Há um slogan que diz «Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o futuro». (Sugestão de leitura: 1984, G. Orwell)

As recordações familiares, as histórias de um determinado lugar, de uma família, de conhecimentos não oficiais, não institucionalizados, representam a consciência colectiva não só de uma pessoa, através da sua experiência pessoal como de grupos inteiros, de famílias, de comunidades. Esta memória pode contrapor-se a um conhecimento privatizado e monopolizado por grupos que desejam defender interesses próprios. A memória procura salvar o passado apenas para dar sentido ao presente e construir o futuro. Por isso, a memória colectiva de servir para libertar e não para escravizar os homens.

*Factores envolvidos no esquecimento

O esquecimento não pode ser encarado como uma lacuna da memória, com uma doença. Ele é condição da própria memória, acabamos por esquecer para continuar a reter, o esquecimento tem uma função selectiva dado que afasta materiais que não são úteis ou necessários. Assim, o esquecimento pode atingir a fase de concepção, armazenamento ou de recuperação.
O esquecimento é definido pela incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma informação. Há lesões ou doenças cerebrais que podem provocar a perda de informação que vai desde o esquecimento à amnésia ou perda de memória.
Actualmente consta-se que o esquecimento não é produto apenas de um facto, mas da convergência de vários factores.
O desaparecimento e alteração do traço amnésico, explica o esquecimento que reside no desaparecimento do traço fisiológico registado no cérebro – enframa – devido á passagem do tempo. O esquecimento teria origem na perda de retenção provocada pela não utilização dos materiais armazenados. O traço enfraqueceria devido á falta de repetição de exercício. Porém, não se pode reduzir o esquecimento a este factor, até porque o esquecimento tem origem fundamentalmente na deformação dos conteúdos retidos, como a distorção provocada pela atribuição de designações desadequadas que acabariam por ficar retidos na memória. Daí que não é possível recordar com exactidão materiais dos quais foram atribuídos significados inexactos. Recentes investigações mostram o facto das deformações ocorrerem na forma como as percepcionamos e não na mudança do traço da memória. Mas as alterações no desaparecimento do traço da memória podem também ter a ver com as capacidades internas, como os significados que atribuímos ou com fantasias que temos.
O esquecimento também é afectado pelas interferências de novas aprendizagens. Distinguem-se duas formas de interferências. A inibição proactiva correspondente à influencia negativa que a aprendizagem tem sobre a recordação de uma nova informação. Diferentemente, a inibição retroactiva corresponde ao efeito negativo que a informação nova tem sobre a anterior, podendo acabar por esquecer a recordação do passado devido à utilização de recalcamentos presentes. Neste caso, o processo de interferência aumenta o exercício.
A motivação do inconsciente, segundo Freud e a sua teoria sobre o psiquismo humano, o ser humano esquece, inconscientemente, o que lhe convém esquecer. A sua explicação para tal baseia-se na sua noção de recalcamento, isto é, as recordações dolorosas eram inibidas, mantendo-se as recalcadas por acontecimentos traumatizantes no inconsciente. O esquecimento teria portanto um carácter selectivo, mantendo-se as angústias na zona inconsciente do psiquismo. Com os impactos negativos submersos as pessoas manteriam o seu potencial dinâmico, acabando por influenciar os seus próprios comportamentos. Tudo isto, acrescentando ao facto da resistência pessoal impedir que as lembranças menos agradáveis sejam evocadas na consciência.
Portanto o esquecimento não é apenas o quociente entre a retenção e a memoria, antes resulta da convergência de diferentes factores. Actualmente as interferências da aprendizagem da experiência influenciam a vida social ao ponto de grande parte das pessoas não conseguir recordar-se do passado, devido ao facto da sua memória ter sofrido modificações por acumulação de demasiada informação. Assim uma boa memória é útil, mas a capacidade de esquecer é indispensável a cada identidade humana.

*A Memória

A articulação aprendizagem-memória
(Um ponto prévio)


Aprendizagem e memória são processos indissociáveis na medida em que uma conduta só se considera aprendida se for retida, isto é, memorizada pelo sujeito; e só se pode reter o que foi adquirido ou aprendido. O próprio conceito de aprendizagem como mudança sistemática da conduta supõe implicitamente a memória como condição de conservação da resposta aprendida.


A memória e a aprendizagem são aspectos complementares do mesmo processo geral. Se não houvesse retenção dos resultados da prática anterior, cada tentativa de aprendizagem resultaria no mesmo comportamento da primeira. Não haveria aprendizagem sem os efeitos de "conservação" da experiência prévia. A aprendizagem diz respeito a modificações, presumivelmente nervosas, resultantes da experiência; memória é o termo que se aplica à persistência dessas modificações (...)
A lembrança de uma experiência pode ser insignificante, parcial ou completa. As variáveis que influem na retenção são, essencialmente, as mesmas que afectam a aquisição, de sorte que as coisas que facilitam a aprendizagem, também facilitam a retenção.
C. Telford, e J. Sawrey, Psychologie


Já todos dissemos, certamente, acerca de alguém: "É uma pessoa muito experiente!" Ter experiência é sinónimo de já ter aprendido muito e, portanto, estar apetrechado com saberes que permitem enfrentar com eficácia as novas situações que surgem. Sem memória, as aprendizagens teriam de estar constantemente a ser adquiridas, o que equivaleria a dizer que estávamos sempre no ponto zero. Não ter memória seria o mesmo que não ter aprendido nada.

A memória é o sustentáculo da vida humana, dado que o homem é um ser que evolui em função das constantes aprendizagens que faz. É a memória que faz com que as aprendizagens, ao serem conservadas, se constituam como plataformas de novas aprendizagens qualitativamente superiores.

Procure imaginar por um momento que não tem memória. As nossas lembranças operam com tanta ligeireza e automatismo que poucas pessoas ( ... ) tomam consciência da sua presença invasiva. No entanto, perceber, estar consciente, aprender, falar e resolver problemas, tudo isso requer aptidão para armazenar informações. A percepção e a consciência muitas vezes dependem de comparações entre o presente e o passado.

A aprendizagem exige a retenção de hábitos ou de novas informações. Para falar é preciso lembrar-se das palavras e de pelo menos algumas regras gramaticais. A solução de problemas baseia-se na retenção de cadeias de ideias. Mesmo as actividades geralmente consideradas não intelectuais, tais como mexericar ou lavar pratos, dependem da capacidade de recordar. De facto, quase tudo o que se faz depende da memória.


A memória é, portanto, o suporte essencial de todos os processos de aprendizagem e permite ao organismo manter continuadamente um sistema de referência da experiência vivida. E, no caso do homem, é o factor básico da capacidade de reconhecer a sua identidade como pessoa.



INTRODUÇÃO

A memória é o processo cognitivo que nos permite ter acesso ao passado, estruturar o presente e projectarmo-nos no futuro


Algumas questões comuns sobre a memória

Porque é que um facto desagradável, que gostaríamos de não recordar, permanece na nossa mente, como se tivesse sucedido ontem? Porque é que certos acontecimentos se apresentam de forma tão nítida, enquanto outros permanecem escondidos numa mistura de passado e de imaginário? Até que ponto podemos confiar nas recordações de uma criança? Até que ponto os testemunhos de quem depõe em tribunal são fiáveis? Com a idade esquecemos mais facilmente, ou isto não passa de um preconceito? Que relações se estabelecem entre a memória individual e a memória colectiva?


Quando desconfio da minha memória, escreve Freud num artigo que data de 1925, posso recorrer à caneta e ao papel. O papel converte-se, então, numa parte externa da minha memória e retém algo que, de contrário, estaria invisível dentro de mim. Quando escrevo numa folha de papel, estou certo de que disponho de uma recordação permanente resguardada das deformações que talvez a minha memória tenha sofrido. O inconveniente é que não posso desfazer-me dessa recordação quando já não preciso dela, e a folha de papel está cheia. Já não há espaço para escrever. Estes inconvenientes não existem se utilizo outro método: uma ardósia e giz. Uma ardósia pode usar-se sempre de novo e portanto tem uma capacidade ilimitada. Mas o inconveniente de uma ardósia é que, para escrever uma nota nova, é preciso apagar a anterior. Então, parece que uma capacidade ilimitada e a presença de traços indeléveis se excluem mutuamente no caso dos recursos que utilizamos para substituir a nossa memória. As folhas de papel e as ardósias carecem, por conseguinte, dessa característica que faz com que a memória humana seja tão incrivelmente eficaz, segundo Freud, porque o nosso aparelho psíquico consegue fazer, precisamente, o que não podem fazer estes outros instrumentos; tem uma capacidade ilimitada para assimilar novas percepções e deixa traços duradouros, ainda que não inalteráveis, na memória.

D. Draaisma, Las metáforas de la memória. Una historia de la mente., 1998, p.27




A memória tem tido uma história peculiar na psicologia. Há um século atrás para poder ser estudada cientificamente, Ebbinghauss partiu-a em bocados tão pequeninos, que se tornou quase invisível. Tão invisível que os comportamentalistas fizeram-na desaparecer a favor da aprendizagem. Quase a meio do século Bartlett, num estudo que hoje em dia seria considerado ecológico, clamava no deserto que a memória era um processo activo, e os seus "esquemas cognitivos” foram considerados fantasmas. Com a chegada do computador, parecia que a hora da memória tinha chegado. Os diferentes armazéns da memória invadiam as investigações e as publicações. Mas o que é que explicava esta concepção de memória? Muito pouco. Não permitia entender os seus fundamentos biológicos nem as suas patologias. Também não se podia estudar o desenvolvimento da memória porque ao computador dá-se tudo feito, não tem evolução nem crescimento. A emoção, importante na memória humana, foi ignorada, tal como as influências sociais e culturais. A memória funcionava da mesma maneira em qualquer contexto.

Por fim, parece que o estudo da memória encontrou um caminho no qual abandonaram as metodologias reducionistas e se puseram de lado as analogias inadequadas. A memória humana é agora olhada em toda a sua complexidade

Uma memória que tem uma base cerebral, predisposições inatas, que se desenvolve, que aprende, que se engana e se emociona, se perturba, se atrofia, que recupera e que envelhece. Numa palavra, que vive.




Características da memória

Todos os sistemas cognitivos, naturais ou artificiais, são sistemas dotados de memória. A memória foi considerada durante muito tempo como um processo muito simples da cognição, especializado na retenção do passado. Hoje sabemos que isto não é assim. A memória é, provavelmente, a própria forma da cognição. Aliás, ela é ainda mais primária do que a cognição porque um sistema cognitivo só pode emergir de um sistema com memória. Tendo em conta a investigação recente, não é por acaso que a memória será o primeiro processo cognitivo a ser compreendido num contínuo que vai das moléculas à mente.

Os processos mnésicos permitem o acesso aos acontecimentos do passado, mas as memórias, transitórias ou permanentes, constroem também o nosso presente psicológico e o que será codificado, representado e armazenado no futuro. Podemos dizer que memória não é somente o passado, é também o presente e o futuro. A memória é o processo cognitivo que nos permite codificar a informação resultante da experiência, armazená-la num formato apropriado, recuperá-la e utilizá-la em operações ou acções sobre o mundo.

A memória implica criar representações. Já há muito tempo, mais precisamente no ano 400, Santo Agostinho referia-se à memória como uma imagem ou representação. Dizia ele que seria impossível falar das montanhas, dos rios e dos astros, que ele tinha contemplado, ou do oceano, de que tinha ouvido falar, se interiormente não os «visse». A memória era um recinto interno imaginário que se convertia num reflexo do mundo exterior, do seu mundo exterior. Como uma cópia do exterior no interior.

Hoje a ciência demonstrou que é impossível perceber o comportamento sem ter em conta as representações que construímos do mundo. As representações, sejam ícones, retratos, mapas ou ficheiros de dados tomam o lugar de objectos existentes na realidade. Estas entidades têm uma função de substituição e estão intimamente ligadas à memória porque são o local onde a experiência é conservada.

A memória é um conjunto de representações. As representações são construídas a partir da informação categorizada e arrumada em esquemas cognitivos. Uma representação pode fazer uso de tipos diferentes de esquemas cognitivos.

As representações não são cópias da realidade exterior como pensava Santo Agostinho. Ao criarmos imagens interiores dos objectos exteriores, elas são tratadas e modificadas pelos processos cognitivos. A capacidade de fazer face a questões novas, que implica o uso de informação que está na memória, depende da capacidade que temos de criar e de transformar representações. As representações não podem ser comparadas a fotografias ou à transcrição mecânica das experiências no tecido nervoso porque implicam um trabalho de atenção, de selecção e de codificação que tem por base significados e conhecimentos anteriores. Uma experiência qualquer, por exemplo, uma notícia de jornal, uma história, um livro, deixa uma marca na medida em que é catalogada a partir de experiências semelhantes, dos nossos interesses, de expectativas ou de emoções, ou seja, de sistemas de referência anteriores. Nenhuma recordação é totalmente neutra ou independente de outras recordações.

As representações permitem substituir uma informação externa, ausente, por uma informação interna, presente e conservada no seu interior. A partir daqui podemos substituir as acções concretas sobre o real por acções simbólicas, puramente internas, o que se traduz num aumento muito importante das nossas capacidades de adaptação ao meio.

A memória é um processo activo. Para nossa surpresa, ao revermos um filme que tínhamos visto há muito tempo, constatamos que muitos dos pormenores nos parecem diferentes daquilo que nos lembrávamos, embora antes tivéssemos a certeza absoluta do que tínhamos visto. Bartlett, em 1932, avançou com a ideia de que a memória é um processo activo e não uma recordação factual do que aconteceu. Mais do que gravar a informação, organizamos as nossas memórias de forma a que elas se encaixem nas nossas expectativas e no nosso conhecimento. O que lembramos pode não ser exactamente o que aconteceu. Bartlett estudou este assunto através da reprodução de histórias. As pessoas liam ou ouviam uma história e depois contavam-na. Verificou que as histórias reproduzidas apresentavam imprecisões.

Estas imprecisões eram típicas e sistemáticas:

Mudanças de significado – As pessoas tendiam a centrar-se num aspecto da história, tornando essa parte a mais importante, mesmo que isso não fosse assim no original

Distorções afectivas – Os sentimentos e as emoções das pessoas face à história influenciavam aquilo de que se lembravam

Desvios – O significado da história mudava regularmente de uma reprodução para outra

Encurtamento – A história tornava-se cada vez mais pequena; os detalhes eram omitidos; os detalhes mais facilmente omitidos eram os que não interessavam para a compreensão da história

Coerência – As mudanças eram feitas de modo a que a história tivesse mais sentido para a pessoa; podia incluir a introdução de novo material ou mudanças na sequência de acontecimentos

Convencionalidade – Temas ou clichés bem conhecidos substituíam a ideia original de modo a que a história se tornasse mais convencional, indo ao encontro do contexto cultural e social da pessoa

Perda de nomes e de números – Os números e os nomes próprios tendiam a ser perdidos ou mudados para outros mais familiares


No quotidiano, um exemplo comum desta característica da memória é a transmissão de boatos ou de rumores. As pessoas ouvem histórias ou bocadinhos de notícias e passam essa informação a outros. A natureza activa dos processos de memória implica que uma mensagem, especialmente se é ambígua, pode ser bastante distorcida. Se as pessoas não têm muita informação vão preencher o que falta de forma a construírem uma história consistente. Quer dizer que tendemos a adaptar a informação de modo a que ela se encaixe num esquema mental, esquecendo os detalhes que nele não se encaixam. Por exemplo, se não gostamos de alguém, dificilmente admitimos que há alguma coisa boa nessa pessoa, mesmo que tenhamos ouvido dizer que ela fez alguma coisa de bom. Os esquemas cognitivos, como vimos atrás, são grelhas mentais que utilizamos para dar sentido à vida de todos os dias. Isto não significa que somos incapazes de nos lembrar de informação que não esperamos ou que não desejamos, mas lembramo-nos mais facilmente de informação que faz sentido para nós, que se encaixa nos nossos esquemas. Este processo é muitas vezes inconsciente.

A ideia da memória baseada em esquemas e representações é concordante com os estudos da percepção que nos mostram que os esquemas antecipatórios ou preexistentes dirigem a busca perceptiva. Os esquemas cognitivos dirigem a nossa memória, preparando-nos para lembrar melhor algumas coisas e não outras, embora a informação que estamos a receber influencie a forma como o esquema se vai modificando e desenvolvendo. Por isso é um processo activo.

A confabulação é outro dos processos pelos quais adaptamos as memórias aos nossos esquemas ou expectativas. Loftus, em 1975, fez um estudo onde mostrava aos participantes um filme de um acidente de tráfego. Dividiu as pessoas em dois grupos. Ao primeiro perguntava: «A que velocidade iam os carros quando chocaram?». Ao segundo: «A que velocidade iam os carros quando se esmagaram?».
Uma semana mais tarde, perguntou se tinha havido algum vidro partido, como resultado do acidente. Embora não tenha havido nenhum, o grupo 2 lembrava-se claramente de vidros partidos. Quer isto dizer que o modo como a pergunta foi feita influenciou as respostas. Os participantes produziram memórias activas consonantes com as suas expectativas, lembrando-se do acidente como tendo sido mais sério do que realmente foi.

Muitas vezes as pessoas tendem a insistir na veracidade das suas memórias, mesmo quando lhes é mostrado que não estão correctas. Uma vez produzida uma memória, que vai ao encontro das nossas ideias, tendemos a mantê-Ia. Isto é um problema para a lei, especialmente quando se trata de testemunhas presenciais de acidentes ou de outros acontecimentos dramáticos. Interpretamos o que vemos em função do que esperamos que aconteça e as nossas memórias reflectem isso. Na polícia, costuma dizer-se que, se houver vinte testemunhas de um acidente, há realmente vinte acidentes diferentes.

Perceber o que aconteceu envolve um processo muito cuidadoso de comparação e de análise dos diferentes depoimentos. As pessoas convencem-se de que o que têm na memória foi o que se passou. A confabulação não tem nada a ver com a mentira, porque a pessoa está honestamente convencida de que o que está a dizer é verdade. Pode ser capaz de visualizar a cena e de se lembrar de pequenos pormenores da mesma maneira que os participantes da investigação anterior se lembravam de vidros partidos. Os pequenos sinais dados pelo interrogador, muitas vezes subtis e inconscientes, juntamente com a imaginação e com o desejo de querer ajudar, podem alterar a memória de uma situação.

A memória tem um valor adaptativo.
Para que serve a memória? No reino animal encontramos uma vasta gama de capacidades de memória. Os protozoários têm programas de comportamento tão organizados que poderíamos pensar que possuem memória. E realmente têm memória, mas é basicamente uma memória genética. São programas predeterminados de comportamento, que estão contidos nos genes e que permitem a relação do organismo com o ambiente. Isto significa que estes seres vivos têm uma capacidade de mudança muito pequena para responderem adaptativamente ao meio, embora a memória genética seja complementada com aprendizagens muito rudimentares.

A espécie humana está menos dependente da memória genética e, por isso, está mais apta a aprender. Temos capacidade para adquirir e armazenar a experiência, utilizá-Ia para alterar o comportamento e responder adaptativamente quando as exigências do ambiente o requeiram. O ser humano é um organismo com uma imensa capacidade de adaptação e, portanto, está muito dependente da aprendizagem e de uma memória diferente da memória genética.

Nas primeiras semanas ou meses de vida do bebé desaparecem os reflexos primários ou arcaicos. A espécie tem necessidade de se libertar de certos vestígios da memória genética, ficando disponível para a aprendizagem. Quando nasce, o bebé possui apenas informação rudimentar. Este facto pode ser considerado um sucesso filogenético porque, por um lado, suprime a rigidez característica dos programas de comportamento inatos e, por outro, permite-nos alcançar níveis superiores de flexibilidade adaptativa, como seres inacabados.

A memória permite-nos ter o conhecimento necessário para organizarmos comportamentos adaptativos independentemente da complexidade da situação.

Se pensarmos que qualquer comportamento implica vários processos mentais, definição de metas, planos para as alcançar, avaliação dos recursos disponíveis e dos custos/benefícios, processos de avaliação, de raciocínio e de solução de problemas, utilizando o conhecimento armazenado na memória, fica patente a necessidade desta e o papel crucial que desempenha na global idade e na complexidade da mente.

O ser humano necessita de memória, não para armazenar e reter informação "porque sim", mas porque a imensa diversidade e complexidade de situações com que se defronta exige que essa base de conhecimento recuperável esteja a aumentar e a reorganizar-se continuamente.

Muitos factores influenciam a memória.

Já vimos, por exemplo, como as nossas expectativas influenciam aquilo que retemos.

Muitos factores estão relacionados com a memória como os fisiológicos, os emocionais ou os culturais.

Se centrarmos isto em nós próprios e na nossa vida do quotidiano, verificamos que ao nível dos factores fisiológicos o bem-estar cerebral depende, em grande parte, da oxigenação dos tecidos nervosos e que o exercício físico, a qualidade da alimentação e do sono influenciam o estado da nossa memória. Ao nível dos factores emocionais, pode colocar-se, por exemplo, a questão da concentração. Estados emocionais perturbadores, situações de pressão e de stress dificultam a concentração criando «ruído mental" e impedindo-nos de prestar atenção.
Ao nível cultural sabemos que é a partir do contexto em que vivemos e das nossas experiências como membros de uma cultura específica, que construímos representações do mundo que influenciam o que memorizamos e como memorizamos. Por exemplo, as sociedades sem escrita confiam unicamente nas suas memórias para se lembrarem de informações do passado, possuindo tradições orais muito ricas e processos próprios de as memorizarem.


Existe um conjunto de estratégias que facilitam a memorização como, por exemplo, a fixação de conceitos-chave através de esquemas, e daí a importância dos mapas conceptuais. A visualização de conceitos concretos ou abstractos através de imagens facilita a evocação da informação. É o caso, por exemplo, de pedir às crianças que desenhem os países que estão a aprender em Geografia. Não interessa a qualidade do desenho mas o mapa mental que estão a construir sobre a sua localização no espaço.

*Factores de Aprendizagem

Alguns factores que, de forma específica e decisiva, interferem na aprendizagem.

Inteligência e desenvolvimento

Saber o que é a inteligência é uma das questões que mais interessam e que mais tem dividido os psicólogos do nosso tempo. Diferem as concepções de inteligência. Contudo, qualquer uma delas faz da inteligência um agregado de várias capacidades cognitivas.

Conhecemos já o conceito de inteligência de Jean Piaget, bem como o papel que lhe atribui no sentido de permitir ao indivíduo uma eficaz adaptação ao meio. Sabemos também que este psicólogo enfatiza o desenvolvimento intelectual como uma resultante da interacção entre o sujeito e o meio, processada pelo jogo constante e equilibrado de assimilações e acomodações.

Desenvolvimento e aprendizagem são, pois, processos simultâneos e correlativos e, à medida que progride nas etapas, o indivíduo vai adquirindo novas estruturas cognitivas que lhe permitem aprendizagens cada vez mais complexas e, consequentemente, um equilíbrio mais alargado nas diversas circunstâncias.

De acordo com a tradição do mundo social e economicamente desenvolvido do Ocidente, o termo inteligência é usado para significar algo relacionado com as seguintes funções:

• Capacidade para lidar melhor com abstracções do que com objectos e situações concretas.

• Capacidade para aprender sobretudo palavras e símbolos.

• Capacidade para resolver problemas, ou seja, capacidade para lidar adequadamente com situações novas para o sujeito.

Este modo de conceber a inteligência está de acordo com o que se esperava da classe média de uma sociedade industrial que recebia instrução formal numa sala de aula de uma instituição chamada escola. Por isso, tal concepção está subjacente à elaboração e aplicação de testes de inteligência cujos resultados são expressos em termos de Idade Mental ou de Q. I.

Os itens dos testes de inteligência são muito próximos dos itens das aprendizagens escolares, pelo que, quando uma criança tem bons resultados em testes de inteligência, tem Q. I. elevado, tendo também bom rendimento escolar. Neste contexto, medir a inteligência ou medir a capacidade para aprender na escola são praticamente sinónimos.


Motivação

Ao referir experiências de aprendizagem com animais, vimos que a força que os impulsionava a agir e a aprender se situava ao nível de necessidades fisiológicas, como a fome ou a dor.

No homem, nem sempre se podem detectar os motivos que o incentivam a adquirir novas condutas ou a modificar as anteriores. O que sabemos é que a aprendizagem é facilitada quando o indivíduo se empenha no processo, procurando activamente atingir os objectivos que se propôs.

• Neste caso, diz-se que a motivação é intrínseca, o que quer dizer que o indivíduo aprende pela satisfação que lhe dá a própria aprendizagem.

• Quando o sujeito aprende porque há uma recompensa externa, a motivação é extrínseca e, geralmente, a aprendizagem toma-se mais custosa.

Se, ao estudar uma matéria, esta nos interessa, a motivação é intrínseca, pelo que aprendemos facilmente e lemos com agrado tudo o que com ela se relaciona. Se o assunto é para nós fastidioso e só o estudamos para passar no exame, então a motivação é extrínseca e a aprendizagem faz-se, como é óbvio, com maior dificuldade.

Quer se trate de motivação intrínseca ou extrínseca, ela não surge sempre com a mesma intensidade. Se o nível de intensidade é elevado, é de esperar que o sujeito aprenda bem. Contudo, a força exagerada da motivação pode desencadear estados de ansiedade capazes de prejudicar o ritmo de aprendizagem, ou até inibi-la por completo.
Em suma, um nível forte de motivação activa o indivíduo e concentra-o no trabalho. Um nível baixo ou excessivamente elevado dificulta ou impede a aprendizagem.


Aprendizagem anterior

As aprendizagens de conteúdos ou de processos podem condicionar positiva ou negativamente as novas aprendizagens.

Fala-se de transferência negativa sempre que, respostas aprendidas para determinados estímulos, e que tendem a ser repetidas quando surgem estímulos semelhantes, se constituem como obstáculos, retardando ou bloqueando as novas aprendizagens.

Quando os aviões começaram a ser utilizados, os aparelhos de comando eram colocados ora à direita, ora à esquerda, em cima ou em baixo, consoante os modelos ou preferências dos construtores. Isto levou a consequências funestas porque os efeitos da transferência negativa conduziam a enganos fatais por parte dos pilotos.
Para evitar estes inconvenientes, a localização do controlo na cabina passou a obedecer a critérios padronizados.

Se há casos em que a aprendizagem anterior dificulta as futuras aquisições, outros existem em que ela é facilitadora das novas aprendizagens. Fala-se, então, de transferência positiva.

Como exemplo, refira-se que uma pessoa que aprendeu a jogar ténis não terá grande dificuldade em aprender a jogar badmington ou pingue-pongue. Também uma pessoa que aprendeu latim terá facilidade em aprender italiano ou francês. É que a transferência das aprendizagens iniciais favorece as aprendizagens seguintes: no primeiro caso, devido à semelhança das respostas exigidas

Constituindo um fenómeno decorrente de outro já nosso conhecido, a generalização do estímulo, a transferência é um princípio fundamental no campo da educação. O que se aprende em dado nível de escolaridade funciona como um pré-requisito para aprendizagens de nível superior. Além disso, espera-se que o que se aprende na escola seja transferido para as tarefas a executar fora dela.


Factores sociais

Os pais, os professores e demais elementos da sociedade em que a criança nasce são responsáveis não só pelas suas aprendizagens escolares e profissionais, como também pela sua formação em geral, que inclui interesses, crenças, valores, atitudes e sentimentos de auto-confiança, auto-estima, segurança, aceitação e respeito pelos outros.

Inicialmente, as aprendizagens são feitas no seio da família, onde se inicia a estruturação das capacidades e competências que lhe permitirão prosseguir o desenvolvimento da sua personalidade.

Da família transita para a escola, onde terá de se inserir num sistema formal que tem subjacente uma filosofia educativa.
Sendo o jovem obrigado a permanecer na escola e integrar-se num sistema de educação definido em função dos interesses gerais da comunidade a que pertence, as aprendizagens que efectua são à partida socialmente condicionadas.

Estudos sobre o insucesso escolar têm evidenciado que, para além dos condicionalismos inerentes aos planos educativos, outros elementos interferem, condicionando a aprendizagem. Entre eles, contam-se os seguintes:

• Padrões culturais

• Valor atribuído pela sociedade à educação

• Nível socio-económico-cultural

• Domínio da língua materna

• Sistema escolar

• Expectativas dos pais

• Expectativas dos professores

• Expectativas dos alunos.






Métodos de aprendizagem

Algumas notas para se aprender melhor.


Aprendizagem espaçada e concentrada

O treino ou exercício implicado em qualquer aprendizagem pode ser concentrado ou espaçado no tempo.

• A aprendizagem concentrada faz-se de modo intensivo e sem paragens.

• A aprendizagem espaçada implica uma distribuição no tempo dos assuntos a reter, efectuando intervalos regulares entre as sessões de aprendizagem.

É variável o modo como os estudantes diversificam o tempo dedicado ao estudo. Alguns preferem a aprendizagem espaçada, distribuindo os conteúdos a fixar ao longo do tempo e, aos poucos, ir fazendo a retenção dos mesmos. Normalmente estabelecem um período de tempo que dedicam ao trabalho, mantendo diariamente a regularidade desse horário até prestarem as provas no fim do ano.

Outros, porém, dão-se bem com a aprendizagem concentrada, estudando apenas, com afinco e sem intervalos, próximo dos exames ou de outras provas de avaliação.

Há aspectos a considerar que explicam o sucesso desta metodologia de trabalho. Entre eles, a motivação e a curva do esquecimento.

De facto, quanto mais próximo está o objectivo, a prova de avaliação, maior é a predisposição para estudar. Por outro lado, um estudo concentrado em vésperas do teste utiliza melhor a curva do esquecimento: recordamos com mais facilidade o que foi aprendido há menos tempo. O que se aprende na véspera tem menos tempo para ser esquecido, pelo que o aluno pode obter bom resultado com menor quantidade de estudo. Porém, a fadiga física e psíquica constituem um risco para o estudante adepto do método concentrado.

Qual dos dois métodos conduzirá, então, a melhores resultados?

Os resultados destes dois tipos de aprendizagem não podem ser postos, de modo absoluto, em termos de eficácia ou não eficácia. A utilização de um ou de outro depende da pessoa que aprende, dos seus hábitos e daquilo que há para aprender.

• Numa primeira achega, podemos dizer que as experiências mostram claramente que, para uma eficaz e permanente retenção, a aprendizagem espaçada é a mais recomendável. Assim, para o estudante que se interessa por uma aprendizagem sólida e a longo prazo, esta forma de aprender é, certamente, a indicada.

As vantagens do método espaçado têm sido demonstradas em inúmeras situações, desde o aprender conteúdos com ou sem sentido, até à aquisição de habilidades motoras, passando pela aprendizagem escolar. Assim, para aprender a nadar, jogar ténis, andar de bicicleta ou de patins, conduzir automóvel ou escrever no computador, a aprendizagem espaçada dá mais rendimento. O mesmo se passa com estudos teóricos como o das línguas, da gramática e com a memorização de listas de palavras sem sentido.

• A aprendizagem concentrada tem-se revelado mais vantajosa em crianças de inteligência superior, enquanto as de quociente mais baixo beneficiam mais com uma prática espaçada. Também, quando se procura uma aprendizagem de conceitos ou a solução de problemas em que a resposta correcta obriga o sujeito a ensaiar uma multiplicidade de caminhos possíveis, a prática concentrada tem-se mostrado benéfica, por evitar a dispersão e o esquecimento das tentativas anteriores. Uma combinação da aprendizagem espaçada e concentrada é, provavelmente, a estratégia mais eficaz para passar nos exames: no início, usar a aprendizagem espaçada; na revisão final, usar a aprendizagem concentrada.

O conhecimento dos resultados da aprendizagem

O sujeito que se dedica a uma aprendizagem não está, desde o início, apto a executar a tarefa com toda a perfeição. Assim, o indivíduo que se inicia na utilização do computador passa por um longo processo de treino até obter rendimento. O mesmo se passa com o aprendiz de viola, com o desportista de tiro ao alvo ou com o estudante de psicologia.

Como conseguir maior rapidez no processo de aprendizagem? Como evitar, até, possíveis falhas ou incorrecções no modo de aprendizagem?

Isto consegue-se fornecendo ao aluno conhecimentos sobre a quantidade e sobre a qualidade do que aprendeu. A falta de feedback, ou seja, de informação retroactiva é, não raro, responsável pelos maus resultados obtidos pelos aprendizes.

Para que o feedback seja verdadeiramente eficaz, ele deve não apenas identificar as respostas erradas, mas também fornecer indicações correctas sobre o modo de resolver as questões. A eficácia do feedback depende também da frequência com que ocorre. Os feedback amiudados têm mais hipóteses de retirar ao aprendiz a possibilidade de repetir e interiorizar os erros que comete.

Inúmeras investigações que têm sido feitas sobre aprendizagens intelectuais e motoras provam que, quando o indivíduo conhece o nível que vai atingindo nas novas aquisições, o seu ritmo de aprendizagem acelera-se e as respostas aproximam-se mais rapidamente da perfeição desejada.

Aprendizagem total e aprendizagem parcial

Fala-se de aprendizagem total e de aprendizagem parcial a propósito do modo como são apresentados os conteúdos a aprender. Isto é, o aprendiz pode ser confrontado com o assunto na sua totalidade ou, diferentemente, este pode ser fragmentado e apresentado por partes.

Os psicólogos behavioristas, de inspiração atomista, consideram que as pessoas aprendem melhor quando as tarefas são divididas em parcelas pequenas e mais simples. Estes psicólogos inspiraram alguns métodos de aprendizagem, designadamente o método de ensino programado de que a seguir nos ocuparemos.
Os psicólogos cognitivistas assumem uma atitude gestaltista a este respeito, defendendo que a aprendizagem é facilitada quando as tarefas ou conteúdos são apresentados de uma forma global.
Quando um aluno compreende o modo como os conceitos se articulam, apreende a matéria como uma estrutura organizada e dotada de significado. Assim, ao estudar os aspectos parcelares, memoriza-os melhor porque compreende a relação que mantêm com o tema global.

Aprendizagem programada

De inspiração behaviorista, este método de aprendizagem foi criado por Skinner e a sua equipa, com base nos mecanismos inerentes ao condicionamento operante.

*Aprendizagem é um processo cognitivo que nos torna humanos

Aprender a andar de bicicleta envolve os mesmos processos do que aprender uma canção? Aprendemos todos da mesma forma? Por que razão algumas pessoas têm medo de ratos ou de aranhas? Como aprendemos a sentir que estamos apaixonados? Como aprendem os bebés a reconhecer os rostos familiares? Será que podemos aprender sem querer? O que quer dizer que uma pessoa aprendeu a falar inglês, a escrever à máquina ou a jogar basquetebol? Qual é a diferença entre a forma como um cavalo aprende a saltar um obstáculo e a forma como uma criança aprende a comer com uma colher? Que têm estes comportamentos em comum? Como se aprende? Aprendemos todos da mesma forma?


Os bebés aprendem que, quando choram, os pais lhes dão atenção, as crianças aprendem que se carregarem em determinado botão da televisão ela se acende, os adultos aprendem que comportamentos devem ter para serem considerados pelos outros. Aprender está sempre a acontecer. Vejamos o que se passa, por exemplo, com a linguagem. A quantidade de coisas que as crianças aprendem nos primeiros anos é incrível. Por volta dos quatro anos, uma criança possui um vocabulário de mais ou menos oito mil palavras, embora nem todos saibam as mesmas, aprendemos as palavras que a nossa família e os amigos utilizam. Nesta fase da nossa vida, por dia, acrescentamos em média vinte palavras por dia ao nosso «dicionário»,

Por volta dos sete anos o aumento é de vinte e sete palavras, em cada dia do ano, incluindo sábados, domingos e feriados. Mesmo na universidade acrescentamos cerca de três mil palavras por ano ao nosso vocabulário e cerca de oito mil se lermos muito. E não é apenas o vocabulário que as crianças aprendem com esta facilidade, mas também a gramática, as expressões idiomáticas e outras convenções verbais e não verbais. Não há ninguém que não tenha uma gramática embora esta possa ser diferente daquela que se considera desejável.

Este exemplo da linguagem é apenas uma pequena parte da aprendizagem que todos realizamos ao longo da nossa vida de todos os dias, sem esforço da nossa parte ou da parte de qualquer outra pessoa. F.Smith, investigador, afirma que «somos capazes de reconhecer um enorme número de objectos, rostos, lugares, facas, garfos, mesas, cadeiras, cavalos, vacas, pássaros e árvores. Mesmo que não sejamos capazes de diferenciar espécies particulares de pássaros e de árvores, não as confundimos umas com as outras, ou com diferentes categorias de coisas. Sabemos de que modo os garfos e as facas estão relacionados com as mesas e as cadeiras, que os pássaros voam e os peixes nadam, onde podemos encontrar uns e outros, quais são as suas relações com as restantes coisas do mundo. Não basta saber o que uma coisa é, qual é o seu nome, ou como podemos reconhecê-Ia. Aprendemos o que cada coisa tem a ver com cada uma das outras coisas, e aprendemos a relacionar a linguagem com tudo isto. Toda a complexidade que somos capazes de perceber no mundo, ou de que somos capazes de falar, é um reflexo da complexidade que temos na nossa cabeça».

Aquilo que aprendemos é o modo como nos vemos a nós próprios, e o modo como os outros nos vêem, por relação ao modo como falamos, ao modo como nos vestimos, nos cuidamos, ao modo como organizamos o mundo. Todos aprendemos uma cultura que é o modo como nós nos definimos. Esta aprendizagem continua muito para além da infância. Podemos esforçar-nos para aprender uma língua estrangeira. Mas, se conseguirmos visitar um país onde essa língua é falada e conseguirmos ver-nos como habitantes desse país, participando nas actividades e nos costumes locais, não só iremos aprender a falar como as pessoas desse país falam, como iremos aprender a comer, a beber, a vestir-nos e até a pensarmos como eles, sem percebermos, nem termos uma consciência muito nítida do que está a acontecer. Aprendemos e recordamos para sermos a pessoa que somos, sem esforço.

A aprendizagem pode ser definida como uma alteração do comportamento, relativamente duradoura, resultante da experiência. A pessoa que aprende adquire novos hábitos, competências, associações, informações, que lhe permitem adaptar-se ao meio e às suas alterações. Ou seja, adquirimos ou modificamos os nossos comportamentos como resultado da nossa experiência de vida.

Mas nem todas as mudanças são resultado da experiência. Uma criança cresce até que, por fim, consegue chegar à maçaneta da porta e abri-Ia. A maturação física está relacionada com esta mudança de comportamento. Ainda que também possa intervir a aprendizagem. Algumas mudanças que ocorrem no comportamento das pessoas não dependem da aprendizagem, são comportamentos inscritos no sistema nervoso, dispositivos naturais de adaptação ao meio como os comportamentos inatos ou os reflexos primários. Outras mudanças decorrem de alterações orgânicas, como a ingestão de determinadas substâncias ou de lesões cerebrais.

A aprendizagem muda a capacidade das pessoas de interagir com o meio.

São informações novas, saberes, automatismos, formas de fazer coisas, atitudes, valores, formas de ser ou de estar. As actividades são muito diversas e vão desde adaptações mais biológicas até à manipulação mental de símbolos. A aprendizagem é um processo que ocorre no interior da pessoa e, por isso, não é directamente observável. Ela só é visível quando as situações permitem a sua manifestação.

A nível humano, quando falamos de aprendizagem, a maior parte das vezes estamos a referir-nos a aprender matemática, história ou inglês. De tudo o resto falamos de aprendizagem para nos referirmos à aquisição de competências motoras como conduzir um carro ou andar de bicicleta. No entanto, todas estas aprendizagens são muito complexas. Umas porque implicam processos simbólicos como a linguagem. Outras porque são competências que implicam uma série coordenada e complexa de actividades motoras.

De uma certa forma podemos dizer que o ser humano nasce em estado fetal!
É um ser prematuro que vai ter de aprender a ser humano. Ou seja, não nascemos terminados, prontinhos a enfrentar o mundo tal como uma tartaruga, um pintainho ou um leão. Todos os seres vivos possuem capacidade de adaptação ao meio e, por isso, uma certa capacidade de aprendizagem. A tartaruga ou o pintainho ou o leão vão ter de aprender um conjunto de comportamentos de modo a assegurarem a sua sobrevivência. Mas a grande diferença da espécie humana face a outras espécies é o grau de «prontidão» com que nascem os seus bebés.

Na maior parte das espécies, os recém-nascidos estão equipados, hereditariamente, com um conjunto de comportamentos que lhes permitem, de imediato ou em curtos períodos de tempo, adquirir autonomia. Os seres humanos, neste sentido, são muito menos dotados hereditariamente e, por isso, precisam do meio e dos outros, durante um longo período de tempo, para aprenderem aquilo que necessitam para se tornarem autónomos.

A aparente desvantagem do bebé humano torna-se numa vantagem da espécie por que proporciona maior flexibilidade de adaptação e de sobrevivência. Por não sermos determinados geneticamente de forma rígida podemos modificar-nos, aprender, modificar o meio, fazer cultura, e criar civilizações. Por isso precisamos de aprender com os outros a tornarmo-nos seres humanos.

A aprendizagem implica processos neurológicos que envolvem uma mudança dos mecanismos bioquímicos nas redes de neurónios. Estas redes são fundamentais em qualquer aprendizagem, da mais simples à mais complexa. Muito do que aprendemos está para além da hereditariedade e depende da experiência de vida. Um ser humano aprende a ler e a escrever, a amar ou a odiar os outros e até, eventualmente, a encarar a morte. Nas outras espécies, o papel da aprendizagem é menos dramático ou definitivo do que nos seres humanos. Quando nascemos, temos um repertório limitado de comportamentos. Mas estas limitações irão ser compensadas pela aprendizagem. Em alguns casos, a aprendizagem cria ligações entre estímulos, por exemplo, o rosto da mãe pode ser associado ao som da sua voz. Noutros casos, a aprendizagem envolve relações entre actos e as suas consequências, por exemplo quando uma criança aprende que tocar no lume do fogão implica uma dor ou queimadura. É como que uma reescrita. Tudo o que uma pessoa faz ou pode fazer é, de alguma forma, resultado da aprendizagem.


A aprendizagem pressupõe um sistema de processamento e de construção de Informação. Mais ainda, a aprendizagem implica uma actividade própria, intrínseca de quem se modifica. Só que para haver mudança é preciso um obstáculo, uma barreira, um conflito, um problema, e a sua percepção e vivência. Para haver obstáculo é preciso haver objectivos. E para a solução do problema tem que haver um feedback contínuo sobre o processo de adaptação.

Enquanto seres vivos somos sistemas abertos. Todos nós ordenamos e reordenamos constantemente a nossa relação com o mundo e connosco próprios. A situação "normal “ é de conflito e de desequilíbrio. Para nos reequilibrarmos temos que actuar e, por isso, precisamos de ser activos. Somos sistemas que progridem pelo confronto com o mundo interno e com o mundo externo.

É esta abertura que possibilita a aprendizagem, e é porque aprendemos que podemos funcionar como sistemas abertos. Somos, igualmente, sistemas intencionais, estamos sempre em função de qualquer coisa. A nossa actividade parte necessariamente da interacção com o meio e está sempre orientada para qualquer coisa, mesmo que inconsciente.


Os sistemas abertos funcionam como totalidades organizadas. O mesmo se passa connosco. Ao mantermos uma relação de interdependência quer com o meio quer com aquilo que está dentro de nós, dependemos de um princípio de auto-organização. Este princípio manifesta-se na interacção com o mundo permitindo a equilibração interna do sistema. Cada novo comportamento modifica o conjunto de todos os comportamentos. E também nos adaptamos por aprendizagens sucessivas. Cada nova aprendizagem não tem fins últimos, absolutos. Qualquer coisa que aprendemos só tem sentido na medida em que pode ser utilizada como base para a realização de novas aprendizagens. Não existe nem um primeiro nem um último estádio de harmonia e de desenvolvimento do ser humano. Somos seres «conflituantes» que podemos e devemos resolver os nossos conflitos, mas sem nunca os esgotar.

Os seres humanos não são seres estáticos tal como o mundo onde vivem não é um conjunto imutável. Homem e mundo transformam-se, mudam e evoluem. Somos aquilo que somos pela interacção com os outros e com o mundo através dos significados que construímos. Estamos em contínua reconstrução do nosso próprio comportamento como sistemas que se pretendem cada vez mais equilibrados e mais desenvolvidos.

A psicologia tem procurado explicar o processo de aprendizagem e, tal como para outros fenómenos, existem diversos modelos explicativos. Por exemplo, enquanto que para um comportamentalista aprendemos a partir das consequências positivas ou negativas dos nossos comportamentos, para um cognitivista aprendemos quando constituímos uma nova estrutura mental.



Em que consiste aprender? O que é a aprendizagem?

O termo aprendizagem é usado para designar tanto o processo de aprender como o resultado desse processo.


Aprendizagem: alteração relativamente estável do comportamento ou conhecimento, devida à experiência ou ao estudo; processo que ocasiona essa alteração.

Esta definição de aprendizagem inclui os principais elementos que a caracterizam, simultaneamente como processo e como resultado:

• A aprendizagem é sempre uma alteração comportamental relativamente a um estado anterior. Ela consiste numa modificação, só se podendo falar dela se o indivíduo, homem ou animal, adquire uma conduta que não possuía, ou altera uma já existente.

• As modificações processadas têm que apresentar carácter duradoiro. Os efeitos do processo de aprendizagem têm que permanecer ao longo do tempo de uma forma estável. A leitura e a escrita são exemplos de condutas aprendidas na infância e que se mantêm com relativa estabilidade ao longo da vida.

• A aprendizagem implica sempre alguma forma de exercício. Isto significa que ninguém aprende sem experiência, prática, treino ou estudo.

Nem todas as modificações comportamentais podem ser atribuídas à aprendizagem.

Deste modo, quando, por volta dos seis meses, uma criança executa a conduta de agarrar um objecto que lhe é colocado na sua frente, não se pode dizer que aprendeu a agarrar os objectos. É que esta conquista deve-se não a exercício ou treino, mas ao processo de maturação neurofisiológica que, por si só, possibilita os comportamentos que implicam a coordenação óculo-manual.

De igual forma, se a dactilógrafa escreve um texto cheio de erros e demora mais tempo do que o habitual porque se encontra num estado geral de cansaço, não quer dizer que tenha aprendido uma nova forma de escrever à máquina.

Também o indivíduo que caminha a coxear em resultado de uma entorse, ou de ter espetado um prego, não aprendeu um novo modo de se deslocar. Esta conduta é esporádica e explica-se por uma lesão fisiológica ocasional.

Portanto, as modificações na conduta, originadas pelo facto de o indivíduo atingir um novo estádio na maturação neurofisiológica, em virtude da fadiga, de se encontrar física ou mentalmente doente, de ter sofrido uma lesão, ou de estar sob o efeito de drogas não se incluem no âmbito da aprendizagem.


Tipos de aprendizagem

A aprendizagem é um processo que ocorre no interior do organismo, pelo que não pode ser directamente observável. Só indirectamente, pelas modificações comportamentais dela resultantes, é que os psicólogos podem efectuar o seu estudo.

Outras dificuldades se levantam às investigações sobre a aprendizagem. É que ela pode ocorrer, mas permanecer latente, não se manifestando imediatamente no comportamento do indivíduo. Isto pode acontecer, por exemplo, com a leitura de um livro ou com o visionamento de um filme cujos ensinamentos só mais tarde influenciam o nosso comportamento.

Mais, pode ter havido aprendizagem, mas a sua manifestação sofrer a influência de factores como ansiedade ou cansaço, tornando-se difícil determinar o que nesse comportamento é efeito específico da aprendizagem.

Um exemplo deste tipo de situações é o que algumas vezes acontece com alunos que estudaram e dominam bem a matéria e, contudo, ao chegarem ao exame, têm uma "branca", não conseguindo lembrar-se de nada do que aprenderam. Os professores classificam as provas, como se elas traduzissem as aprendizagens dos alunos.

A aprendizagem medida pelo desempenho dos sujeitos na resolução de provas pode, pois, em muitos casos, conduzir a resultados e conclusões erradas, facto que os psicólogos e os professores conhecem muito bem.

Porém, estas dificuldades não impediram os psicólogos de estudar os mecanismos inerentes à aprendizagem, nem de extrair conclusões elucidativas acerca dos mesmos. Reduzindo os fenómenos em estudo à sua forma mais simples, postularam alguns tipos de aprendizagem que passamos a analisar.


Condicionamento clássico

Uma das formas de aquisição de novos comportamentos é a aprendizagem por condicionamento, que assenta na concepção behaviorista de que a aprendizagem resulta de associações entre estímulos e respostas.

Uma das modalidades de condicionamento é o condicionamento clássico, assim designado por ter sido o primeiro a ser experimentalmente estudado. Alguns psicólogos referem-se também a ele pelo nome de condicionamento respondente.

Foi Ivan Pavlov, (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Petrovich_Pavlov) fisiologista russo quem, em 1904, ao estudar o papel da saliva na digestão, verificou que os cães salivavam ao cheiro ou à vista da comida.

Esta observação ocasional motivou Pavlov para o estudo sistemático do condicionamento, o que o levou a efectuar inúmeras experiências. (Ver Cap.I, Psicologia como ciência – O objecto da psicologia; Pavlov e a reflexologia.)

Ao longo dos vários passos experimentais, o cão aprendeu a dar uma resposta salivar a um estímulo não adequado ao desencadeamento de tal conduta. Podemos por isso dizer que o animal foi condicionado a salivar como reacção ao som de uma campainha.
O objectivo da experiência de Pavlov não era modificar o comportamento natural do cão levando-o a aprender a salivar ao som da campainha, mas utilizar uma situação concreta de aprendizagem por condicionamento para recolher dados que lhe permitissem um estudo sistemático e científico acerca deste processo.

Para tal, criou os dispositivos necessários para uma situação experimental rigorosa e de modo a eliminar variáveis parasitas.

O cão era amarrado numa sala à prova de som, com uma janela de visão unilateral que permitia a Pavlov fazer as suas observações, sem que o animal desse por isso. A saliva segregada era directamente recolhida por dois tubos que a conduziam a um copo. Deste, era canalizada por outro tubo, no qual fazia deslocar um fluido colorido. A posição deste fluido num aparelho parecido com um termómetro dava a indicação rigorosa da secreção salivar.



Processos do condicionamento

Pavlov e os seus colaboradores constataram, nas experiências efectuadas, a ocorrência de fenómenos ou processos diversos que a seguir se esclarecem.

• AQUISIÇÃO

Processo pelo qual a resposta condicionada é aprendida pela associação entre o estímulo condicionado e estímulo incondicionado.

Em dado momento da experiência, o cão é capaz de responder ao estímulo condicionado, como se do estímulo Incondicionado se tratasse. É o momento em que nos é lícito dizer que o animal aprendeu, por condicionamento, uma nova conduta.

• EXTINÇÃO

Fenómeno que consiste na eliminação da resposta condicionada quando o estímulo condicionado é repetidamente apresentado sem o estímulo incondicionado.

Será que o reflexo condicionado se irá manter ao longo do tempo? De outro modo: o cão passará a reagir, salivando, sempre que ouça o som de uma campainha?

A observação da figura anterior mostra que, a partir de dada altura, o som passou a ser apresentado isoladamente, isto é, sem ser seguido do alimento.

Verificou-se, então, que o número de gotas de saliva foi diminuindo gradualmente até que, por fim, o animal deixou de salivar como resposta à audição do som, ocorrendo a extinção.

Em termos de teoria da aprendizagem, diz-se que a resposta aprendida deixou de ser reforçada, isto é, a extinção ocorreu em virtude da ausência do reforço da resposta condicionada.

Aparece-nos assim o reforço, não só como elemento imprescindível na aprendizagem das respostas, como também na sua manutenção ao longo do tempo.

• RECUPERAÇÃO ESPONTÂNEA

Fenómeno que consiste no aparecimento temporário de uma resposta extinta, após um período de repouso.

Depois de ter levado o cão a aprender a resposta condicionada e de assistir à extinção desta, Pavlov verificou que, passado um período de repouso, cerca de meia hora, o animal voltava a salivar à apresentação do estímulo condicionado.

Este fenómeno foi por ele designado de recuperação espontânea.

Contudo, a quantidade de saliva segregada aquando da recuperação espontânea não atinge o nível conseguido no auge da aquisição.

Podem, de seguida, ocorrer dois fenómenos de índole oposta.

• Se o experimentador apresentar de novo o reforço (EI), associado ao estímulo condicionado (EC), a quantidade de saliva vai aumentando até atingir o nível observado na primeira parte das experiências. Chama-se a este fenómeno recondicionamento.

• Mas, se o estímulo condicionado continuar a ser apresentado sozinho, a quantidade de saliva decresce novamente, dando-se o que se pode chamar uma reextinção.

• GENERALIZAÇÃO DO ESTÍMULO

Processo que consiste em estender a resposta aprendida a novos estímulos que se assemelham ao estímulo usado no treino.

Pavlov constatou que os cães salivavam não só ao som da campainha que serviu de estímulo condicionado das experiências iniciais, mas também a outros sons com frequência próxima do som dessa campainha. A este processo dá-se o nome de generalização do estímulo, em que a resposta condicionada ocorre perante estímulos semelhantes ao estímulo condicionado.

• DISCRIMINAÇÃO

Processo que consiste em responder diferenciadamente a estímulos que apresentam certo grau de semelhança entre si.

Os cães de Pavlov salivavam em muita quantidade a sons que eram apenas um tom mais alto ou mais baixo do que o som do estímulo condicionado original. À medida que os sons vão diferindo cada vez mais do som original, a quantidade de saliva vai diminuindo. Isto significa que, ao mesmo tempo que ocorria a generalização do estímulo, ocorria também uma discriminação, uma vez que a quantidade de saliva era maior ou menor, conforme a maior ou menor semelhança do estímulo com o original.
Discriminação, neste contexto, significa, pois, a capacidade de estabelecer diferenças entre estímulos semelhantes, respondendo de modo diversificado a uns e a outros.

Condicionamento clássico e aprendizagem do medo

O âmbito e os campos de aplicação desta forma de aprendizagem são imensamente vastos, abarcando praticamente todos os domínios. Tem aplicação quer no treino de animais quer na aprendizagem das diferentes actividades humanas. Usa-se em programas sistematizados de ensino, mas também é a base de muitas aprendizagens que as pessoas fazem na vida quotidiana. Por ele se explica a aquisição de muitos comportamentos e atitudes e, sobretudo, de muitos sentimentos e emoções, com especial incidência nas fobias ou medos.


A mais famosa demonstração do condicionamento clássico do medo foi relatada por John B. Watson e Rosalie Rayner. Um bebé de nove meses, chamado Albert, serviu de sujeito. Inicialmente, foi mostrado a

Albert um rato branco que apenas suscitou curiosidade por parte da criança. Depois de Albert ter tido oportunidade de observar o rato à vontade, o animal foi retirado da sua vista. Depois, o rato foi apresentado de novo e, ao mesmo tempo, o pesquisador fez soar um ruído alarmante, pancadas de martelo numa barra de aço, por detrás de Albert. Esse ruído assustou a criança e fez com que ela chorasse. Depois da combinação da apresentação do rato com o ruído forte durante aproximadamente cinco tentativas, os pesquisadores voltaram a apresentar o rato sozinho. Desta vez, a vista do rato branco foi o suficiente para fazer Albert chorar. (...)


O bebé tinha aprendido por condicionamento clássico a ter medo do rato branco.

Depois deste condicionamento, verificou-se que a criança não tinha somente medo do rato branco, mas também de objectos parecidos com esse animal.

As complicações não acabaram para o pequeno Albert quando o rato branco foi retirado da sua presença, pois, agora, não só o rato o assustava, mas outros objectos, tais como um novelo de algodão, um coelho, uma máscara branca eram capazes de lhe provocar medo também. Albert não se mostrava assustado na presença de qualquer objecto que não se parecesse com o rato branco, digamos, um pedaço de madeira, mas assustava-se na presença dos que, de algum modo, se lhe assemelhassem, como qualquer coisa branca e peluda.

Samoff Mednik, Aprendizagem

Albert deu a mesma resposta a estímulos para os quais não tinha sido condicionado, o que se explica pelo processo de generalização do estímulo, em virtude da semelhança entre os estímulos apresentados posteriormente e o estímulo condicionado inicial. Mas não é preciso criar situações experimentais para condicionar alguém a ter medo. Ele pode também ser adquirido por condicionamento em situações da vida corrente.

(...) Durante um temporal, o carro de João derrapou e ele perdeu o controlo da direcção. Embora não ficasse magoado, a partir daí o João sente-se assustado sempre que conduz em estradas molhadas, em especial durante temporais e próximo do local do acidente. O medo condicionado do João alargou-se (generalização) à condução em dias de chuva fraca ou em tempo de neve.

L L Dadivoff, Introdução à psicologia


O medo do João pode ter algo de positivo se fizer, por exemplo, com que ele passe a conduzir de uma forma mais cautelosa em condições climatéricas adversas.
Todavia, no decurso da nossa vida, adquirimos muitas vezes fobias e sentimentos negativos que servem apenas para nos causar perturbações.


Condicionamento operante

O condicionamento operante ou instrumental é outra forma de aprendizagem por condicionamento. Enquanto no condicionamento clássico o sujeito responde a estímulos, evidenciando-se o papel destes e do seu jogo associativo, no condicionamento operante, é o sujeito que toma a iniciativa, age para obter satisfação, "opera" sobre o meio para conseguir uma recompensa. É por este motivo que se designa por "operante" esta forma de condicionamento.

Thorndike e a lei do efeito





Foi o psicólogo americano Edward Lee Thorndike (1874-1949) quem pela primeira vez se dedicou ao estudo da aprendizagem por condicionamento operante, através de experiências feitas com gatos. O seu objectivo era analisar a forma como os animais resolvem situações-problema. Para tal, criou uma gaiola especial que ficou conhecida como "caixa-problema".

Numa dessas experiências, Thorndike pretendia estudar como é que os gatos aprendiam a sair da caixa. Para isso, meteu um gato esfomeado dentro da caixa e, do lado de fora, longe do alcance do gato, colocou um prato de comida.

Para sair da caixa, o gato tinha que aprender a accionar um de três mecanismos, sem o que era impossível abrir a porta da caixa: carregar numa plataforma, puxar uma corda suspensa ou passar para a vertical uma barra que estava do lado de fora.

Depois de inúmeros gestos inúteis e tentativas infrutíferas para sair, o animal acabou, ocasionalmente, por efectuar a operação necessária para abrir a porta da caixa. Uma vez efectuados os comportamentos correctos para poder chegar ao prato de comida, o animal tendeu a repeti-los quando colocado em idênticas situações.

Thorndike observou que, gradualmente, os gestos inúteis iam sendo rejeitados enquanto os movimentos adequados à resolução do problema iam sendo repetidos.

Quando o gato foi introduzido na caixa e imediatamente executou os actos implicados na abertura da porta, sem desperdício de tempo ou de movimentos inúteis, estava concluída a aprendizagem específica do gato para a resolução do problema em que era colocado.

Foi deste modo que este psicólogo chegou à formulação da lei básica da aprendizagem operante: a lei do efeito.

A lei do efeito diz que, numa dada situação, as respostas acompanhadas de recompensa são aprendidas, enquanto as demais são extintas. O que esta lei significa é que, em qualquer aprendizagem, os actos são fixados ou eliminados em função das suas consequências. Fixam-se os actos que acarretam satisfação e eliminam-se os que provocam insatisfação.

Os estudos de Thorndike com "caixas-problemas" e a formulação da lei do efeito deram forte contributo às investigações de Skinner acerca do condicionamento operante.



Skinner e a aprendizagem operante




Este tipo de aprendizagem foi sistematizado pelo psicólogo americano B. F. Skinner (1904-1990), a figura mais marcante do behaviorismo moderno. Para os seus estudos, criou uma caixa especial a que chamou "operante" e que é hoje, em sua homenagem, conhecida como "caixa de Skinner".

O que esta caixa tem de especial é o seguinte:

• Contém um dispositivo que permite o fornecimento automático de alimento (reforço) ao animal em observação e de acordo com um plano prévio, estabelecido pelo experimentador conforme os objectivos da experiência .

• Contém um mecanismo que regista as respostas do animal, o que dispensa o experimentador de estar continuamente a observá-lo. No final, o experimentador dispõe de um registo cumulativo das respostas do animal.

Vejamos uma das experiências realizadas por Skinner:

Um rato faminto é colocado na caixa em que uma alavanca, quando premida, faz cair o alimento. O animal começa por explorar o ambiente cheirando as paredes, tacteando e arranhando, locomovendo-se ao acaso, parando, erguendo-se nas patas traseiras, etc. Num destes movimentos exploratórios acontece, ocasionalmente, que a alavanca é accionada com as patas ou com o focinho, caindo uma bolinha de alimento.
Posteriormente, e ainda por acaso, o rato volta a premir a alavanca, o que faz surgir outra dose de alimento. Em dada altura, o rato descobre que para obter alimento tem de premir a alavanca. A partir de então, passa mais tempo na vizinhança da alavanca, alternando rapidamente entre premir a alavanca e comer. Isto significa que se estabeleceu no rato a associação entre a resposta operante (premir a alavanca) e o reforço (alimento).

Podemos afirmar que, nesse momento, o rato aprendeu, ou seja, está condicionado a premir a barra para comer.


E1 ALAVANCA
R1 PRESSÃO NA ALAVANCA



E2 COMIDA


R2 COMER



Como o animal só pode comer (R2) após ter accionado a alavanca (R1), o alimento (E2) vai reforçar essa resposta (R1). Isto é, o animal aprende a pressionar a alavanca em função do reforço que é o alimento. Este só é obtido se o rato der uma resposta adequada, pois que se não carregar na alavanca não receberá comida e, quanto mais vezes carregar, mais comida poderá obter.

Reforço e castigo

A compreensão do que é o reforço e do que é o castigo, bem como dos papéis que desempenham na aprendizagem, torna-se mais fácil se recordarmos o princípio do condicionamento operante, inspirado na lei do efeito enunciado em Thorndike:


O comportamento que permite atingir algo de agradável tende a ser repetido; o comportamento que resulta em algo de desagradável tende a não ser repetido.


De facto, quase todos os comportamentos do homem e do animal são influenciados pelas consequências que acarretam e é da natureza dessas consequências que dependem os comportamentos futuros. Tais consequências designam-se por recompensas e castigos, que, no contexto da psicologia da aprendizagem, têm o seguinte significado:

• REFORÇO

Qualquer estímulo que surge em consequência de um comportamento e que aumenta a sua ocorrência.

• CASTIGO
Qualquer estímulo que surge em consequência de um comportamento e que diminui a sua ocorrência.

Reforço ou recompensa

Dissemos que o comportamento aumenta quando é reforçado, ou seja, quando dele resulta "algo de bom, de agradável", para o sujeito.

"Algo de bom, de agradável", pode consistir quer na obtenção de algo apetecível como, por exemplo, comida, quer na evitação de algo aversivo como, por exemplo, dor. Daí a distinção de duas formas de reforço: reforço positivo e reforço negativo.

• REFORÇO POSITIVO

É constituído pela apresentação de qualquer estímulo apetecível e que aumenta a frequência do comportamento.

• REFORÇO NEGATIVO

É constituído pela retirada de qualquer estímulo aversivo e que aumenta a frequência do comportamento.

• Na experiência de Skinner atrás descrita, o rato obtinha comida quando accionava a alavanca, o que fazia aumentar a frequência deste comportamento. Neste caso, o rato aprendeu por reforço positivo, dado que lhe era apresentado um estímulo apetecível comida – quando carregava na alavanca. Isto levou-o à repetição do comportamento.

• Noutra experiência de Skinner, o chão da gaiola provocava choques eléctricos ao rato. Estes cessavam sempre que o rato accionava a alavanca, o que rapidamente fez aumentar a frequência deste comportamento. Neste caso, o rato aprendeu por reforço negativo, dado que lhe era retirado um estímulo aversivo – choque eléctrico – quando accionava a alavanca Isto levou-o à repetição do comportamento.

As pessoas tendem a repetir comportamentos que lhes permitem ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro constitui um reforço positivo. Do mesmo modo, as pessoas tendem a repetir comportamentos que lhes permitem pôr fim a uma dor de cabeça. Pôr fim à dor de cabeça constitui um reforço negativo.

Dissemos já também que o comportamento diminui quando é castigado, ou seja, quando dele resulta "algo de mau ou desagradável" para o sujeito.

Vamos agora, também, compreender o que se entende por "algo de mau ou desagradável", característica essencial do castigo.

"Algo de mau ou desagradável" pode consistir quer em receber algo de aversivo – dor – quer em ser privado de algo apetecível alimento.

Em ambos os casos, usaremos apenas a designação de castigo.

Castigo ou punição


• CASTIGO

É constituído pela apresentação de um estímulo aversivo ou pela retirada de um estímulo apetecível, que fazem, num caso ou noutro, diminuir a frequência do comportamento.

• Nas experiências de Skinner, constituem exemplos de aprendizagem ou condicionamentos por castigo os casos seguintes: O rato carrega menos vezes na alavanca se, ao fazê-lo, recebe um choque eléctrico - apresentação de um estimulo aversivo -, ou não recebe comida - retirada de um estímulo apetecível.

Também as pessoas tendem a não repetir comportamentos que lhes provoquem dor ou as privem de obter algo que apreciam.

Assim, diminuem o consumo de certo alimento se, quando o ingerem em quantidades excessivas, ficam com dor de cabeça. Uma pessoa que se tenha queimado ao pôr, descuidadamente, a mão no disco do fogão, tenderá a não repetir esse comportamento. Ainda alguém a quem rebocaram o carro, por o ter estacionado em cima de uma rampa, tenderá a não repetir esse comportamento porque, além de ter de pagar a multa, vê-se privado de usar o carro.

Por vezes, o reforço positivo e o reforço negativo podem associar-se na prática. Uma criança efectua melhor determinadas aprendizagens para obter um prémio e, simultaneamente, para evitar ser castigada.

O bebé que se esforça por levar direito a colher à boca para evitar a repreensão da mãe e para que esta lhe sorria e diga "muito bem" constitui exemplo em que reforço positivo e reforço negativo se combinam na estratégia da aprendizagem.


Diferenças entre condicionamento clássico e operante

Condicionamento clássico e condicionamento operante são tipos de aprendizagem que têm em comum os princípios inerentes ao condicionamento, ou seja, ambos reforçam, extinguem, recuperam espontaneamente, generalizam e discriminam os comportamentos.

Porém, apresentam algumas diferenças, nomeadamente o facto de o condicionamento clássico acentuar o lado mecânico e a passividade do sujeito e o condicionamento operante pôr em relevo o aspecto motivacional e a iniciativa do sujeito.

O esquema seguinte pormenoriza esta comparação entre o condicionamento clássico e o operante.




















Aprendizagem por observação e imitação

Bandura e a aprendizagem social

Na unidade Psicologia social, referimos que a socialização implica processos de aprendizagem mediante os quais o ser humano modela o seu comportamento individual em função do comportamento, das atitudes e dos valores sociais.

Vamos agora abordar alguns aspectos dessa aprendizagem feita por cada um de nós no contacto com os grupos sociais de que fazemos parte.

APRENDIZAGEM SOCIAL
Aquisição de comportamentos ou respostas pela observação de acontecimentos sociais, próximos no tempo, que são mentalmente imitados ou exteriormente expressos.


Um dos psicólogos que mais se dedicou ao estudo da aprendizagem social foi Albert Bandura, que tinha por objectivo compreender como é que, a par das pessoas com comportamentos socialmente ajustados, existem outras que desenvolvem condutas de agressão, medo e fobias que dificultam o relacionamento pessoal e social.

Segundo Bandura, a aprendizagem social ocorre pela observação das condutas daqueles com quem convivemos.

É observando e imitando que as crianças aprendem a falar e a brincar "às casinhas", aos "detectives", ou aos "polícias e ladrões". É vendo como os outros fazem e fazendo como eles fazem que aprendem a andar de patins, jogar à bola e até a dizer mentiras e a ser desonestos. O adolescente aprende com os outros a gostar da roupa que quer comprar e adquire hábitos de fumar e ir à discoteca; aprende a dançar, a praticar desportos e a lidar com os amigos.

Também o adulto imita os outros nas roupas que escolhe, na preferência por determinadas marcas de automóvel, no modo como decora a sua habitação, no tipo de férias que escolhe e na forma de educar os filhos.

Aprendizagem vicariante

A ideia-chave das concepções de Bandura é a de que as pessoas podem aprender tão bem directa como indirectamente.

APRENDIZAGEM DIRECTA
Aquisições por reforço ou castigo directo em que as consequências positivas ou negativas dos actos recaem sobre o sujeito que os pratica.

APRENDIZAGEM INDIRECTA
Aquisições por reforço ou castigo indirecto ou vicariante em que os modos de proceder são indicados pela observação das consequências positivas e negativas que recaem nos outros.

Assim, um empregado que recebe um prémio pecuniário pelo seu desempenho profissional está a ser reforçado pelo seu comportamento positivo e tenderá a mantê-lo no futuro – aprendizagem por reforço directo.

Os seus colegas de trabalho tenderão a proceder como ele porque observaram que o bom desempenho dele é apreciado – aprendizagem por reforço indirecto ou vicariante.

Aprender com o que acontece aos outros é uma via de aprendizagem de grande número de comportamentos, atitudes e sentimentos sociais.
Aprendemos a conduzir moderadamente observando as consequências nefastas que recaem em pessoas que assim não procedem. O medo de cobras, de assassinos, de animais selvagens, do mar bravo, de fantasmas desenvolve-se muitas vezes nas pessoas, não por terem sido confrontadas directamente com eles, mas pela observação (ver, ouvir) de associações que outras pessoas fazem entre tais seres e os perigos reais ou imaginários que representam.

Modelagem e aprendizagem por imitação

Bandura designa por modelagem o processo de aprendizagem social feito com base na observação e imitação sociais.

Através de diversos estudos, têm sido identificadas algumas características cuja presença nas pessoas faz com que se constituam como modelos, pelo que tendem a ser imitadas pelos outros. Os modelos impõem-se aos outros pelo "sucesso", pela "classe", pelo estatuto social, pela competência ou pelo poder.

Aprendemos também com aqueles cujos interesses são semelhantes aos nossos, que têm a nossa idade, que pertencem à nossa classe social, em suma, com os quais nos identificamos.
Pais, amigos, pares, professores, artistas de cinema, políticos, desportistas de alta competição ou actores de televisão podem constituir-se como modelos a ser imitados, dependendo de inúmeras circunstâncias, nomeadamente, da etapa da vida em que nos encontramos.

As pessoas tanto podem modelar os seus actos tendo por referência pessoas com comportamento social positivo, como negativo.

Nem sempre as pessoas reproduzem imediatamente as condutas aprendidas por imitação, pelo que estas ficam simplesmente armazenadas na memória. Quando oportuno e, se tiver condições que lhe sejam favoráveis, o sujeito reprodu-las. É que as condições em que as pessoas actuam podem inibir ou desencadear os comportamentos aprendidos. Assim, proferir "palavrões" é uma conduta que muitas pessoas manifestam apenas quando encontram contextos sociais propícios. Assumem-se condutas na rua ou na intimidade dos pares que não se manifestam na aula ou em casa.















Alguns textos de apoio

Formas de Aprendizagem


• O condicionamento clássico

No princípio do século XX, Pavlov, um investigador russo, ao estudar os mecanismos da digestão em cães constatou, acidentalmente, que estes salivavam não só quando a carne era directamente colocada nas suas bocas, mas também antes disso, por exemplo, quando ouviam os passos do tratador. Este facto constituiu um contratempo nas suas investigações, mas intrigado por este fenómeno, Pavlov dedicou-se ao seu estudo utilizando a expressão «reflexo condicionado» para o descrever.

Os reflexos incondicionados ocorrem sem qualquer necessidade de aprendizagem, por exemplo, as nossas pupilas contraem-se automaticamente quando uma luz nos incide nos olhos, o cão saliva automaticamente quando lhe é colocada comida na boca. Estes reflexos são directamente causados por um estímulo incondicionado, tal como puxar o gatilho de uma pistola provoca automaticamente um disparo. Mas os reflexos condicionados, pelo contrário, são aprendidos, e traduzem a existência de novas associações no cérebro.

A formação do reflexo condicionado é um processo bastante simples: uma resposta, a salivação, normalmente desencadeada por um estímulo, a carne, é associada a um outro estímulo, passos do tratador, passando este último, por si só, a desencadear a resposta.

Pavlov, numa das situações experimentais a que recorreu, apresentava o som de uma campainha, imediatamente antes de dar a carne ao cão. Verificou que rapidamente, pela associação com a carne, o som passou a provocar a salivação. O cão aprendeu a responder ao som da mesma forma que normalmente respondia à carne.

O condicionamento clássico refere-se ao processo em que um estímulo neutro é associado a um estímulo incondicionado que automaticamente desencadeia uma determinada resposta. Ao fim de algum tempo, o estímulo neutro acaba por adquirir o poder de desencadear a resposta. Ou seja, o estímulo previamente neutro vai provocar a reacção natural associada a outro estímulo. O condicionamento clássico deve-se a uma substituição de estímulos.

O carácter mais ou menos apelativo de um estímulo depende da sua natureza, que varia segundo o tipo e a intensidade. Assim, a possibilidade de um condicionamento depende do valor da atenção dada ao estímulo. Depende, igualmente, do grau de previsibilidade do estímulo condicionado, quer dizer, da correlação que ele tem com o estímulo incondicionado.



• O condicionamento instrumental ou operante

O condicionamento instrumental ou operante consiste em associar uma resposta, que já faz parte do repertório comportamental, a uma situação, fazendo seguir a essa resposta um reforço. A natureza do reforço pode ser desejável ou indesejável. Skinner, um investigador norte-americano, estudou esta forma de aprendizagem. Na sua perspectiva, o comportamento está completamente dependente do meio, sendo este o responsável pelas mudanças que ocorrem. Então, as condições do meio, os estímulos, associam-se e alteram o repertório de respostas de um qualquer organismo. Para Skinner existe uma distinção fundamental entre o condicionamento clássico e o condicionamento instrumental. Enquanto no primeiro a resposta é desencadeada pelo estímulo condicionado, ou seja, é involuntária e provocada pelo exterior, por exemplo, um som, na aprendizagem instrumental a resposta é emitida do interior e é um acto voluntário. Ele chamou a estas respostas instrumentais operantes, porque operam no meio, produzindo uma mudança que conduz à recompensa.

Skinner fez investigação com ratos colocados numa caixa, mostrando como é que as respostas são aprendidas. Por exemplo, um rato aprende a apoiar-se numa barra, o que provoca o aparecimento de alimento. Trata-se de uma aprendizagem por reforço. Noutra situação, a caixa apresenta dois compartimentos, estando um electrificado. Coloca-se o rato no compartimento não electrificado. Se ele se deslocar para o outro compartimento, recebe um choque eléctrico, aprendendo, por um processo de punição, a evitar este compartimento.

Um investigador anterior a Skinner, Thorndike, também ele norte-americano, já tinha afirmado que a aprendizagem resultava das consequências de um comportamento. Skinner vai sublinhar que a tendência para emitir as respostas operantes é fortalecida pelas suas consequências. São as consequências do comportamento que vão influenciar as futuras acções do indivíduo. É a partir desta ideia que elabora o conceito de reforço e de punição.

O reforço é definido como algo que aumenta a probabilidade de repetição de um comportamento, existindo dois tipos de reforço:

a) o reforço positivo, quando um estímulo leva ao aumento da probabilidade de ocorrência de determinada resposta. Positivo significa que o acontecimento foi apresentado. O elogio, por exemplo, pode funcionar como reforço positivo;

b) o reforço negativo, quando o estímulo é retirado e aumenta a probabilidade de ocorrência da resposta. Negativo significa que é suprimido um acontecimento desagradável. Estudar para evitar notas baixas é um exemplo de aprendizagem onde existe reforço negativo, ou seja, para suprimir a possibilidade de nos depararmos com a situação desagradável de ter más notas.

Tal como o reforço deve ser apresentado logo que o comportamento desejado se manifeste, também a punição, para que seja eficaz, deve ser aplicada imediatamente após a ocorrência do comportamento indesejado, de forma a que se possa estabelecer a associação entre os dois acontecimentos. Nesta perspectiva, quando uma criança se porta mal, é mais eficaz a punição imediata do que optar por castigá-Ia mais tarde, «quando o pai chegar».

Vários estudos têm demonstrado que o reforço é mais eficaz na aprendizagem de um comportamento do que a punição no seu enfraquecimento. A punição pode controlar, de facto, o comportamento, embora se tenha verificado que, em situações em que as pessoas possam optar por várias formas de agir, o reforço dos comportamentos ajustados é mais eficaz do que a punição daqueles que queremos eliminar.



• Aprendizagem por observação e imitação

Muitas aprendizagens são efectuadas em situações sociais, onde as pessoas têm oportunidade de observarem quer o que outros fazem quer as consequências dos seus comportamentos. A aprendizagem por observação é uma das formas mais eficazes de socialização. O simples processo de observação pode produzir imediatamente aprendizagem. Depois de observarmos o que alguém faz, podemos imitar esses comportamentos e aprendermos a fazer coisas que não sabíamos fazer antes.

Muitos comportamentos complexos são, assim, adquiridos. E ainda que não imitemos o comportamento dos outros, mesmo assim podemos ter aprendido.

A aprendizagem por observação e imitação consiste na reprodução de uma sequência de acções produzidas por alguém, que serve de modelo, na presença de um certo estímulo e, em seguida, de reforço. Neste tipo de aprendizagem, o comportamento do observador modifica-se, mesmo não havendo reforço directo. Certas espécies de aves são capazes de aprender a evitar alimentos envenenados, não apenas por experiência directa, mas por observação dos seus congéneres. A utilização de utensílios por certos primatas pode revelar este tipo de aprendizagem. Jane Goodal observou que certos chimpanzés fabricavam um utensílio para apanhar térmitas e que os jovens, em contacto com os adultos, aprendiam progressivamente a fazer o mesmo. Estas aprendizagens resultaram de processos de transmissão social.

Nos anos 60, Bandura, um investigador norte-americano, estudou a aprendizagem de comportamentos agressivos a partir da observação e da imitação do comportamento de modelos. Num dos seus trabalhos apresentava um filme, a crianças do jardim-de-infância, onde um adulto batia num boneco sempre-em-pé, para que este se afastasse do seu caminho. O adulto dava-lhe socos, pontapés e batia-lhe com um martelo. Um dos grupos de crianças via o filme só até este momento.

Outro grupo via uma parte final que mostrava as consequências daquele comportamento: outro adulto entrava em cena, batendo naquele que tinha maltratado o boneco e ameaçando-o de que lhe bateria mais se ele repetisse tal comportamento. Depois, as crianças ficaram sós numa sala, sendo observadas através de um vidro de visão unidireccional. Na sala existiam vários brinquedos, incluindo um sempre-em-pé. O primeiro grupo de crianças imitava os actos agressivos do modelo. O segundo grupo, que tinha observado a punição do agressor, comportava-se muito mais pacificamente.

Bandura verificou que apenas uma parte das crianças que tinham visionado o filme apresentava comportamentos agressivos. A primeira hipótese que avançou, para explicar este facto, foi que, nos casos em que não se tinham manifestado os comportamentos em causa, não tinha havido retenção mnésica. Mas ao questionar as crianças, verificou que todas elas se lembravam daquilo que tinham visto o modelo fazer. Então Bandura colocou uma outra hipótese: não basta a apresentação de um estímulo para desencadear a resposta. E para explicar os processos subjacentes à aprendizagem social, propôs a existência de dois processos diferentes: uma fase de aquisição, em que há atenção e retenção mnésica, e uma fase de execução, na qual são necessários recursos internos e uma razão para o fazer.

A imitação pode ocorrer mesmo sem o observador copiar as acções do modelo no momento em que as observa e sem receber uma recompensa nem ver o modelo recebê-Ia. Aquele que aprende, imita as respostas de um modelo, mesmo que as não exteriorize e não receba reforços durante a demonstração. O reforço, observado ou vivido, não tem um papel determinante na aquisição de novas respostas mas na acentuação e persistência de diferentes tendências do comportamento.

A criança tem uma certa compreensão das suas próprias acções. Ela não só sabe que algumas coisas são «más» e outras «boas» como tem algum sentido do porquê. Inicialmente, a sua compreensão é bastante vaga, mas, com o desenvolvimento mental desenvolve-se também a compreensão de como se deve relacionar com os outros. Não é de estranhar que as crianças imitem com maior precisão à medida que crescem, pois a competência para utilizarem os comportamentos do modelo aumenta com o desenvolvimento cognitivo.
Uma outra questão diz respeito ao motivo de imitação. Aqui, como em outras áreas do comportamento, as crianças querem ser agentes activos mais do que objectos passivos. Elas querem ser donas do seu universo e poder fazer coisas sozinhas, mais do que ser passivamente moldadas ou deixarem-se levar às cegas. Quando imitam um modelo adulto, não estão especialmente interessadas em ganhar doces ou receber elogios. Uma razão não menos importante para copiar os mais velhos é a de querer ser capaz de fazer algumas coisas que os adultos «todo-poderosos» são capazes. Afinal as crianças também querem ser todo-poderosas. Neste sentido, a imitação é a sua recompensa. A criança quer alcançar uma certa sensação da sua própria capacidade. Já que consegue copiar uma acção do adulto, quer por sua vez ser observada, ser um actor, e não apenas um espectador passivo, e assim clamam em alvoroço: «Olha como eu faço! Olha!»

Adaptado de H. Gleitman. Psicologia, 1994



• Aprendizagem pela manipulação de símbolos ou de representações (Memória)


Trata-se da modificação dos conteúdos da memória de longo prazo. Traduz-se por uma mudança nas estruturas de conhecimento, nas redes semânticas, nos esquemas de acontecimentos e de acção. Distingue-se a aquisição de conhecimentos que dizem respeito aos acontecimentos, objectos e relação entre eles, e a aquisição de competências. Estas duas formas de aprendizagem estão relacionadas com os tipos de memória declarativa e não declarativa.
Aquisição de conhecimentos factuais e de conhecimentos relacionais

Quando aprendemos coisas sobre factos ou sobre relações entre conceitos existem três factores que devem ser considerados: a existência de esquemas cognitivos prévios, a activação destes esquemas e a generalização dos conhecimentos a partir de casos particulares.

Já sabemos que os conhecimentos que estão na memória são uma espécie de quadro, ou de pano de fundo, onde as informações novas se vão integrar. Isto quer dizer que a aquisição, por exemplo de um conceito novo, depende do que sabemos, em geral, e daquilo que está relacionado com ele, em particular. Quando as crianças aprendem o conceito de pirâmide vão relacioná-lo com o de triângulo e o de volume, entre outros. Quando aprendemos um conhecimento novo podem acontecer três coisas aos esquemas cognitivos prévios: ou os esquemas existentes são aumentados e enriquecidos, ou a sua forma é modificada ou são criados esquemas novos. O que é importante é que os conhecimentos que temos são as nossas ferramentas de trabalho e, por isso, são sempre convidados a entrar no processo.

Mas não basta termos conhecimentos na cabeça. É preciso sabermos utilizámo-los. Perante uma tarefa de aprendizagem para a qual precisamos de conhecimentos aprendidos, a primeira operação que temos de executar é a activação dos esquemas cognitivos. Precisamos saber em que “gaveta” determinado conceito está arrumado. Para isso, temos etiquetas nas nossas «gavetas cognitivas» que nos ajudam não só a arrumar a informação mais facilmente, como também a utilizá-Ia. O passo seguinte é relacionar as informações que fomos buscar com as que estamos a receber. Se a relação não for estabelecida, não existe qualquer mudança nos esquemas cognitivos e, portanto, não existe aprendizagem.

Os exemplos são situações particulares que nos permitem fazer generalizações e construir conceitos abstractos. Por exemplo, é a partir de conceitos como camisola, saia, calças, camisa, casaco que construímos o conceito de vestuário. Os exemplos são importantes porque englobam as situações às quais eles se aplicam, sendo estas que lhe dão sentido.


Aquisição de procedimentos e de competências

Os procedimentos são o conjunto das acções necessárias para a execução de uma tarefa. Por exemplo, para ler uma palavra precisamos de identificar as letras que a compõem, de as ligar em sílabas e de ligar as sílabas até chegar à palavra. Esta sequência de acções produz-se na memória de trabalho. Com o exercício, o comportamento torna-se automático e podemos dizer que a competência de leitura foi adquirida.

Para executarmos um conjunto de procedimentos novos temos de utilizar informação que nos sirva de guia. É o caso dos manuais de instrução. Quando montamos a aparelhagem de som que recebemos de presente de Natal, vamos seguindo passo a passo aquilo que o livro de instruções nos diz para fazer. Podemos também ter conhecimentos gerais sobre montagem de aparelhagens de som, porque já o fizemos anteriormente. Utilizamos esses conhecimentos e vamos ajustando a acção à situação nova.

Uma competência é um "saber-fazer” qualquer coisa. Para que ela seja adquirida é necessário que um ou vários procedimentos se tornem automáticos. O que fazemos, em primeiro lugar, é trazer à memória de trabalho uma representação da tarefa e mobilizar os esquemas gerais que temos sobre ela. Depois, aplicamos estes esquemas gerais à situação concreta, de modo a planificar adequadamente o que fazer. Executamos a tarefa avaliando, ao mesmo tempo, o modo como a acção se vai processando. Vamos fazendo correcções até ter sucesso. Com a repetição, este processo introduz-se na memória de longo prazo como um conhecimento estável que pode ser recuperado quando dele necessitarmos. É o que acontece, por exemplo, com o andar de bicicleta.


• Aprendizagem pela acção

A ideia de que os seres humanos, tal como muitas outras espécies, aprendem pela acção é uma ideia muito vulgarizada que resulta da observação da nossa própria experiência. No entanto, o que é específico da espécie humana é que a relação com os objectos não é meramente dual, pessoa-objecto. Ela é uma relação triangular, mediada pelos signos. Os objectos manipulados são, normalmente, objectos fabricados, possuindo, por isso, valores e modos de uso sociais que influenciam a forma como os manipulamos. A aprendizagem pela acção ou a aprendizagem por descoberta é, simultaneamente, aprendizagem associativa e aprendizagem simbólica. A acção pode exercer-se sobre objectos materiais, pessoas ou sobre expressões simbólicas, linguísticas ou gráficas, por exemplo.

Compreende todas as formas de aprendizagem em que a aquisição de conhecimentos se atribui à acção da pessoa, tornando-se esta fonte de novas informações, como bem demonstrou Piaget. Manipulando objectos, a criança aprende a reconhecer as características do mundo físico e social. Estudos recentes mostram que a aprendizagem pela acção utiliza ao máximo os saber-fazer disponíveis através de processos de transferência. É o caso, por exemplo, da resolução de problemas. Quando os processos transferidos não se adaptam, a forma é ajustada por correcções sucessivas.

A aprendizagem pela acção, através da reflexão crítica, permite a descoberta das características de uma situação, ou criar e testar hipóteses. O papel da experiência anterior é fulcral nesta forma de aprendizagem. A experiência permite que a compreensão da situação seja feita a partir da selecção de interpretações anteriores já testadas e validadas. Permite a construção de etapas na obtenção de um objectivo como a criação de objectivos intermédios e até de objectivos negativos como forma de atingir o objectivo final.

A aprendizagem pela acção tem funções como encontrar as interpretações apropriadas da situação, aceder, na memória, aos conhecimentos pertinentes para a tarefa, construir processos e procedimentos, descobrir características da situação.